Precarização do trabalho piora saúde de profissional de comunicação, aponta debate

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Cristiane Reimberg, José Antonio de Jesus da Silva, Roseniura Santos e Hélio Neves na audiência do CCS. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

As condições de saúde física e mental dos profissionais da área de comunicação estão sendo agravadas nas últimas décadas, corroboradas pelas atuais organizações do trabalho e pela ausência de normas específicas. Essa foi uma das constatações de audiência pública promovida pelo Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional nesta segunda-feira (1º). No debate, foram apontados problemas que, segundo os participantes, são recorrentes e significativos, como flexibilização dos direitos trabalhistas, baixa remuneração, pressão e jornadas exaustivas.

De acordo com o conselheiro José Antônio de Jesus da Silva, que requereu a audiência e a presidiu, os problemas relatados como frequentes para os jornalistas também acontecem com radialistas, cinegrafistas e outros profissionais da comunicação.

— O ambiente de trabalho nos adoece, nos enfraquece, nos pressiona. A gente precisa discutir no Congresso Nacional o impacto que essas pressões nos trazem no dia a dia — afirmou Silva.

Pressão

Analista em ciência e tecnologia e jornalista na Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro), Cristiane Reimberg apresentou resultados de pesquisa para tese que concluiu em 2015 na Universidade de São Paulo (USP), quando estudou a saúde dos profissionais da imprensa. A partir da entrevista com 21 jornalistas de idades variadas e de diferentes meios de comunicação, ela analisou as condições de trabalho e saúde e a dialética de prazer e sofrimento, que pode acarretar em adoecimento.

Cristiane relatou que constatou constante flexibilização dos direitos trabalhistas dos profissionais.

— Muitos jornalistas atuavam como freelancers, fixos ou como pessoas jurídicas, que na verdade não eram pessoas jurídicas; eles cumpriam uma jornada de trabalho, mas não tinham registro de CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. (…) Foi constatada entre esses profissionais uma longa jornada, principalmente nos dias de fechamento e coberturas especiais. De uma forma geral, os jornalistas acabavam trabalhando mais de 14 horas no dia. Não se respeitavam os plantões, seis dias de trabalho e um de descanso… Isso não acontecia. E não havia também compensação de horas, com a inexistência de hora extra.

Em relação à organização do trabalho, a questão da exploração acontece de maneira “disfarçada”, na avaliação da jornalista, com o jornalista se vendo como parte da empresa e com isso sendo usado para extrair mais produtividade, pressão e ritmo de trabalho acelerado. Com as novas tecnologias, os profissionais também passaram a exercer diversas funções, a se tornarem um “faz-tudo”.

O sofrimento, de acordo com a pesquisadora, aparecia ligado a questões como condições de trabalho, precariedade, jornadas exaustivas, prazos curtos para conclusão das tarefas, baixa remuneração, trabalho no final de semana e busca por quantidade, em vez de qualidade. Também havia questões mais subjetivas, como autonomia e realização profissional.

O estudo apontou ainda a ocorrência de assédio moral e sexual e de estresse, apontado como algo presente no trabalho, principalmente em coberturas de maior intensidade.

— Se a gente for buscando de 2015 para hoje, a produção de notícia está muito mais acelerada. Então essa pressão é ainda maior, porque o jornalista tem que estar postando nas redes sociais para que a notícia ganhe relevância — disse Cristiane.

Organização do trabalho

Para o médico sanitarista Hélio Neves, as questões da organização do trabalho, no mundo moderno, trazem impactos complexos na saúde física e mental dos trabalhadores.

Em pesquisa que conduziu com apoio do Sindicato dos Radialistas em São Paulo, no período da pandemia, Neves constatou que o home office “foi uma oportunidade muito boa de reorganizar a vida, principalmente para quem tinha uma tarefa a entregar e, após a entrega, encerrava seu serviço.

— Para aquela outra parte dos trabalhadores que tinha de cumprir atividades à medida que eram convocados, e essa convocação podia acontecer, muitas vezes, a qualquer hora do dia, a qualquer dia da semana, foi uma ameaça bastante grande. (…) Na questão da relação do trabalho em site, no local da empresa ou em casa, também há um problema bastante importante para uma parte das pessoas que trabalha em teleatendimento, que é o fato de que o seu local de trabalho não é específico para aquele trabalho — afirmou o médico.

Neves também pontuou que há 20 anos a saúde mental não aparecia no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador como um problema importante em termos numéricos — situação muito diferente da atual, quando são cada vez mais comuns problemas como a síndrome de burnout, distúrbio emocional que se manifesta como esgotamento provocado pelo excesso de trabalho.

— A síndrome chamada de burnout é de difícil cuidado, de difícil tratamento, exige terapia, exige medicamento. Muitas vezes [o profissional] perde o convênio porque é demitido, não consegue mais ser atendido pelos seus profissionais habituais, e no SUS a gente não consegue oferecer esse tipo de tratamento com a frequência e a intensidade que são necessárias.

O conselheiro Davi Emerich afirmou que é preciso equacionar a questão do apoio à saúde do trabalhador, “jogando pesado no fortalecimento do SUS como sistema ou criando mecanismos para que o trabalhador, mesmo que em relações precárias de trabalho, possa ter acesso a algum plano de saúde que pelo menos o cubra no exercício daquele trabalho específico que ele está fazendo”.

Normas

Faltam normas de saúde e segurança específicas para os profissionais de comunicação. A afirmação foi feita pela da auditora fiscal do Trabalho Roseniura Santos, que disse ser urgente traçar regras que sejam adequadas às peculiaridades do exercício das profissões no setor de comunicação, de forma tripartite, com participação institucional do Ministério do Trabalho, mas também representações patronais e de trabalhadores.

— Na questão das ausências normativas, para não dizer que as NRs [normas regulamentadoras] foram totalmente silentes, há duas citações que dizem respeito ao setor, mas de uma forma muito indireta: nós temos uma citação na NR-12 e na NR-33 para falar das interferências eletromagnéticas, ou seja, de caráter relativo ao setor de comunicação, mas uma gotinha perdida num oceano.

Assim como os demais debatedores, a auditora salientou desafios, principalmente diante da “ terceirização, quarteirização” dos profissionais. Roseniura destacou mudanças profundas nas normas regulamentadoras, entre elas a NR-1, que funciona como guarda-chuva e que entrou em vigor em 2022.

— A NR-1 traz uma nova sistemática. Essa norma exige três etapas. Uma é identificação de perigos, um conceito novo. (…) Na segunda etapa, você vai avaliar dentre esses perigos o que é um risco, ou seja, aquilo que tem uma probabilidade devida e tecnicamente fundamentada, avaliando esse risco conforme o grau de dano que ele possa causar, para, então, estabelecer a terceira etapa, que é controlar os riscos.

O controle das normas tem impacto enorme, e é importante, segundo a auditora fiscal, que as instituições representativas, tanto patronais quanto profissionais, se apropriem desse conhecimento técnico.

— É importante chamar a atenção para a importância de as entidades representativas dos profissionais de comunicação, os sindicatos, as federações atuarem de forma mais intensiva na exigência das normas de saúde e segurança.

Para a conselheira Maria José Braga, da direção da Federação Nacional dos Jornalistas e do Sindicato dos Jornalistas de Goiás, “não estamos conseguindo estabelecer as normas ou estabelecer mecanismos de cumprimento e de fiscalização das normas para minimizar os impactos dessa mudança da organização do trabalho na saúde da classe trabalhadora”.

— A gente já vivia tudo isso lá em 2015, e foi sendo gradualmente agravado com a maior precarização nas relações e nas condições de trabalho, agravado enormemente com a regularização dessa precarização das relações de trabalho oriunda da contrarreforma trabalhista de 2017, e, agora, ainda mais agravada com essa mudança provocada pelas tecnologias e que nós estamos chamando de plataformização do trabalho — disse a conselheira.

Fonte: Agência Senado