Demitido em janeiro de 2024, Dolcimar Silva espera restituir no Tribunal de Justiça, nesta segunda-feira, 24/3, cargo público que perdeu por perseguição política e assédio moral
O caso da demissão do jornalista e dirigente do Sindicato de Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul – SindJoRS, Dolcimar Luiz da Silva, é um roteiro de trama perversa que o deixou sem trabalho há pouco mais de um ano. Um prefeito declaradamente de direita toma para si a decisão de demitir um jornalista negro, dirigente sindical e identificado politicamente com a esquerda de forma injusta, ilegal e imoral.
A trama se desdobra por anos e tem no assédio moral a munição para perseguição política com provas forjadas e método clássico de patronato: jogar trabalhador contra trabalhador no Departamento de Comunicação Social da Prefeitura de Gravataí e realizar autoritariamente uma demissão contrária a Lei Municipal nº 4.472/2022.
Além disso, a demissão contrariou a decisão de processo administrativo disciplinar (PAD) que concluiu por não haver assédio sexual e pediu punição por suspensão por uso de conteúdo alheio ao trabalho no computador de uso pessoal do jornalista em seu local de trabalho.
A 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) já reconheceu por dois votos a um, na Sessão Virtual de 24 de fevereiro deste ano, a procedência da apelação de Dolcimar a respeito da ilegalidade da demissão. A sessão foi então interrompida.
Nesta segunda-feira, 24/3, a partir das 14h, o TJ-RS voltará a apreciar a apelação da defesa de Dolcimar. Ela ocorrerá na sala para a realização de sessões virtuais sem videoconferência e será objeto da avaliação e decisão de maior número de desembargadores.
Na prática, o TJ-RS poderá restituir o posto de trabalho conquistado por meio de concurso público, reconhecer que Dolcimar fora vítima de acusação falsa de assédio sexual e que a pena aplicada por conteúdo alheio ao interesse do trabalho não está prevista na legislação municipal como justificativa à exoneração.
“Pedimos a minoração de sua punição nos termos da legislação municipal vigente, a qual foi desrespeitada pelo prefeito municipal em sua sanha para perseguir politicamente servidor concursado, negro e de ideologia política distinta da sua”, explica a advogada Juliana Legunes Nenes, representante de Dolcimar.
Segundo a advogada, a própria comissão processante instalada pela prefeitura demonstrou que Dolcimar foi acusado de assédio sexual como parte de trama urdida para demiti-lo. “É de destacar que, sua assessora, aquela que iniciou a execução da conspiração contra o servidor, acabou promovida a diretora do departamento em que o servidor era lotado, enquanto a estagiária manipulada teve seu contrato não renovado”, acrescentou a advogada.
Atual prefeito usou mesmo modus operandi para demitir outros dois servidores em fevereiro de 2025?
O prefeito de Gravataí, Luiz Zaffalon, venceu a reeleição do ano passado pelo PSDB. Para corroborar um modus operandi iniciado com Dolcimar, Zaffalon é acusado de demitir dois servidores públicos por criticá-lo durante a campanha salarial dos municipários de Gravataí no ano passado.
A defesa dos dois servidores demitidos em janeiro deste ano, assim que o atual prefeito tomou posse para seu segundo mandato, alega que as demissões são ilegais em virtude das provas obtidas por meio de terceiros em um grupo de WhatsApp.
Dolcimar perdeu seu posto de trabalho de jornalista, aprovado em concurso há cerca de 20 anos, em janeiro de 2024.Assim como os dois servidores recentemente demitidos, Dolcimar não era apoiador do prefeito.
Por outro lado, sempre deixou claro que prestava serviço de interesse público como jornalista e voltado para atender à população de Gravataí. “Eu nunca disse na prefeitura de Gravataí que deixaria de fazer qualquer atividade que me fosse designada porque o prefeito não era de meu espectro político. Meu interesse sempre foi público. Nunca olhei partido nem orientação ideológica”, explicou Dolcimar.
Acusação de assédio e a coragem de duas colegas de trabalho
Basta acompanhar a sequência cronológica que redundou na demissão de Dolcimar para compreender a trama. Primeiro, um colega jornalista que trabalhava como CC no Departamento de Comunicação Social da Prefeitura de Gravataí começou a assediar e perseguir Dolcimar.
Foram longos meses de ameaças, perseguições, provocações e reiteradas investidas para fazer Dolcimar reagir ou cometer algum erro. O ex-presidente do Sindjors, Milton Simas Junior, conta que foi comunicado das frequentes investidas de colega jornalista ligado ao partido do prefeito pouco depois do retorno ao trabalho presencial em agosto de 2021.
“A situação ficou muito difícil para o Dolcimar. Depois de algum tempo, ele foi transferido para uma secretaria (Secretaria de Obras). O Dolcimar nunca assediou ninguém. Foi vítima de assédio”, explicou Milton Simas.
Em setembro de 2023, a trama se desdobra. Dolcimar é acusado de assédio sexual e tem sobre seus ombros o peso de um procedimento administrativo disciplinar (PAD). Imediatamente é punido com afastamento por 30 dias.
Em dezembro de 2023, após o afastamento de 90 dias, Dolcimar voltou ao Departamento de Comunicação Social, mas foi recebido com insultos, ameaças e agressões verbais pelo então chefe do setor, um experiente jornalista.
Dolcimar soube que uma estagiária da comunicação o acusava de assédio sexual. Outra funcionária comissionada do Departamento de Comunicação da prefeitura de Gravataí “denunciou” Dolcimar na Secretaria de Administração do Município e à chefia de gabinete.
Durante o procedimento administrativo disciplinar, a estagiária e sua chefe imediata, também comissionada, foram íntegras e corajosas. A estagiária disse que jamais havia sido assediada sexualmente por Dolcimar. Além disso, declarou que havia sido pressionada a denunciá-lo sob ameaças de não renovação de seu contrato de estágio.
Sua chefe imediata foi além. Chamou de “conspiração” para demitir Dolcimar o que tentaram obrigá-las a fazer. Após desmancharem a versão do gabinete da Prefeitura, ambas foram demitidas. Uma delas chegou a dizer na comissão processante que havia sido “queima de arquivo”.
A comissão processante concluiu pela absolvição de Dolcimar por assédio sexual e por punição mais branda pelo conteúdo impróprio no trabalho. “Eram arquivos baixados automaticamente do whatsapp no computador que eu usava na comunicação. Fizeram uma varredura no equipamento. Eu nem sabia que arquivos eram baixados. Nunca baixei nenhum”, enfatiza Dolcimar.
O que diz a legislação municipal e por que o prefeito agiu ilegalmente ao demitir Dolcimar?
A defesa de Dolcimar, com o reconhecimento parcial do Tribunal de Justiça do RS, alega que o uso de conteúdo impróprio, alheio ao local de trabalho, não pode ser tipificado como caso de infração disciplinar grave. Nesse caso, segundo a defesa, o artigo 9º da Lei Municipal nº 4.472/2022 classifica as infrações como leves, medianas ou graves.
Segundo a apelação da advogada Juliana Legunes Nenes ao TJ-RS, Dolcimar poderia sofrer suspensão não remunerada de, no máximo, 30 dias, se ficasse provado na sindicância que praticou assédio sexual. Então, dificilmente conteúdo alheio ou impróprios ao trabalho poderia ser considerado grave e motivo para a exoneração.
“A comissão processante opinou pela absolvição de Dolcimar quanto ao assédio sexual e por punição mais branda com relação ao conteúdo impróprio para o trabalho. O prefeito, contudo, ao dissabor da dosimetria da pena estabelecida pela Lei Municipal nº 4.472/2022 entendeu pela exoneração, afastando a atenuante vinculante da confissão”, finalizou a advogada Juliana Nenes.
SindJoRS se solidariza com seu dirigente e pede justiça para Dolcimar
A presidenta do SindJoRS, Laura Santos Rocha, contou ter acompanhado com apreensão os desdobramentos da demissão do colega e diretor do Sindicato e buscou tomar as providências necessárias para ajudar o colega. “O Dolcimar está à frente da diretoria do nosso Sindicato há muitos anos. Conhecemos a índole dele. Confiamos na Justiça e num desfecho favorável ao trabalhador jornalista”, avaliou Laura.
Para o diretor do SindJoRS, Clóvis Victória, o caso da perseguição ao colega Dolcimar expõe o estado da arte dos ambientes de trabalho dos jornalistas, sobretudo em assessorias de imprensa com equipes reduzidas ou jornalistas isolados.
“Nem tudo são flores na nossa profissão. Há locais bastante tóxicos em que jornalistas sofrem calados com assédio moral e todo o tipo de desrespeito. Conheço o Dolcimar há 30 anos. Fomos repórteres em uma mesma empresa”, contou.
O dirigente disse que desconfiou das acusações contra Dolcimar assim que soube do que estava acontecendo há cerca de 18 meses. “Aquilo não podia ser verdade. A Justiça já reconheceu parcialmente, mas ainda precisamos vencer a segunda etapa para restituir o trabalho e a renda de um jornalista que tem família, é competente e precisa de seu sustento. O povo de Gravataí ainda pode recuperar o grande profissional que a prefeitura perdeu”, avaliou o dirigente.
A cronologia até a demissão nas palavras do jornalista Dolcimar Silva
2014 – Começou a pressão para que eu fosse para a Secretaria de Obras. Consegui uma cedência para a Prefeitura de Esteio (De 01 de agosto de 2014 a 31 de agosto de 2015)
2015 – Foi solicitado o meu retorno para a Prefeitura de Gravataí e, imediatamente, foi retomada a pressão para que eu fosse para a Secretaria de Obras.
2020 – Começa a pandemia de Covid-19 e o trabalho passa a ser remonto até agosto de 2021.
2021 – Em agosto de 2021, retorno ao trabalho presencial e o assédio moral torna-se mais evidente.
2022 – No início de setembro eu procuro o Serviço de Saúde Mental da Prefeitura de Gravataí, relatando o assédio que vinha sofrendo há pelo menos 8 (oito) anos. Em meados de setembro é aberto um procedimento administrativo disciplinar (PAD) contra mim, no qual sou acusado de assediar uma estagiária. Sem presunção de inocência, fui sumariamente punido com o afastamento de 90 dias. Ao retornar ao trabalho, na segunda quinzena de dezembro, fui recebido pelo chefe do setor com insulto, agressões verbais e ameaças. Solicitei minha transferência para outro setor. No final de dezembro, fui transferido para a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer
2023 – Em dezembro sou punido novamente. Pois, sem ser consultado, sou transferido para a Secretaria de Serviços Urbanos.
2024 – Em janeiro, a decisão do PAD não foi acatada, pois havia sido inocentado pela mesma. Foi punido com demissão em janeiro.
Texto: Clóvis Victória/Diretoria SindJoRS