Na reta final do 1º turno, disputa acirrada em SP resulta em ataques a jornalistas nas redes

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O monitoramento das redes sociais na reta final do primeiro turno eleitoral e no dia da votação (6/10) comprovaram o que foi observado pela Coalizão em Defesa do Jornalismo, em parceria com o Labic, da Universidade Federal do Espírito Santo, ao longo da campanha: quando a disputa política se intensifica, os apoiadores dos candidatos respondem à cobertura feita pela imprensa com ataques e ofensas a jornalistas e meios de comunicação.

Na maior cidade do país, dois episódios que marcaram os dias pré-votação resultaram em uma série de ataques de eleitores do candidato Pablo Marçal (PRTB) à imprensa no TikTok, no Instagram e também no X: a publicação por Marçal de um laudo médico falso contra o candidato Guilherme Boulos (PSOL) e uma declaração misógina feita pelo candidato contra sua adversária Tábata Amaral (PSB).

Entre 26 de setembro e 06 de outubro, foram 1.198 postagens agressivas registradas no Instagram, 1.015 no TikTok e 185 no X – um crescimento de mais de 10 vezes em relação à semana anterior, apesar da plataforma ainda estar bloqueada no Brasil no período analisado. Os dados revelam indícios de que não apenas o candidato Pablo Marçal, como apontou a Polícia Federal, mas também seus apoiadores burlaram o bloqueio determinado pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos dias de campanha.

Fonte: Labic/UFES
Fonte: Labic/UFES

No Instagram, entre os 5 usuários que mais curtiram posts e comentários de ataques à imprensa está o perfil de um apoiador e multiplicador de conteúdos de Pablo Marçal, que segue a mesma linha do coach de anunciar a multiplicação fácil do seu patrimônio e prometer o mesmo para seus mais de 24 mil seguidores.

Veículos e jornalistas mais atacados

Em todas as redes sociais, o uso de hashtags contra a imprensa cresceu. A mais usada no período, nas três plataformas monitoradas, foi #globolixo, seguida de outras atacando a emissora, que organizou os últimos debates televisionados do primeiro turno das eleições municipais. Esse aspecto pode ser sinal tanto de que há uma visão negativa difusa entre o público que utiliza diferentes redes sociais quanto um indicativo de uma articulação de ataque multiplataforma.

Seguindo a dinâmica de associação da imprensa com a esquerda, muitos agressores utilizaram a hashtag contra a Globo ao lado de outras como #esquerdalixo e #foracomunismo e junto com termos depreciativos como “mídia militante”, “mídia esquerdista” e “caiu pix”, que insinua um jornalismo vendido aos interesses de partidos políticos. No TikTok, “globo lixo” apareceu inclusive em comentários a outros veículos, mostrando que a expressão virou um marcador de uma visão negativa sobre o conjunto da imprensa.

Fonte: Labic/UFES

Considerando todos os perfis do grupo monitorados no Instagram e no TikTok, a Globo também liderou a lista de veículos mais atacados no período, com 479 ataques ao Portal G1, 391 à TV Globo, 146 à GloboNews e 86 ao jornal O Globo.

Exemplos de comentários publicados em postagens jornalísticas em perfis do grupo são:

A GLOBOSTA NÃO ATINGIU MARÇAL

Mídia militante, vcs não vão fazer com o Marçal o que fizeram com o Enéias. Marçal X Sistema

Faltam 1 dia para ouvir William Bonner anunciar na globe: A justiça eleitoral acaba de confirmar a vitória no PRIMEIRO TURNO de Pablo Henrique Marçal do PRTB na disputa pela prefeitura de São Paulo.

Consórcio Mídia Militante, STF e Extrema Esquerda Lulista (com emojis de dinheiro, letra M, e o número 28, do candidato Pablo Marçal)

Já entre os 5 jornalistas mais atacados no período no Instagram estão 3 do Portal UOL: Tales Faria, Raquel Landim e, novamente, Leonardo Sakamoto. No TikTok, a mais atacada foi Fabíola Cidral, também do UOL, que mediou o debate do portal entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, seguida pelo comentarista da Band, Reinaldo Azevedo, e pela apresentadora da GloboNews, Julia Duailibi. Todos haviam publicado reportagens ou análises envolvendo o candidato do PRTB.

Fonte: Labic/UFES
Fonte: Labic/UFES

Se os dados forem analisados territorialmente, a disputa em São Paulo foi a que mais mobilizou a ação de agressores no ambiente online, com 187 ataques à cobertura de veículos e jornalistas do processo eleitoral paulista. Em seguida vem Cuiabá/MT, com 113 ataques registrados; Porto Alegre/RS, com 88; Rio de Janeiro/RJ, com 73; e Fortaleza/CE, com 60.

Fonte: Labic/UFES

Índice de toxicidade

Em parceria com o ITS-Rio, a CDJor também analisou o grau de toxicidade nas mensagens e nos comentários postados contra jornalistas e meios de comunicação nas três redes sociais monitoradas. Utilizando tecnologia de API do Google, cada comentário recebe um valor entre 0 e 1 em diversos parâmetros de análise. Quanto maior o valor, maior a chance de um usuário perceber aquele comentário como tóxico. Estabelecendo um grau de toxicidade para cada postagem analisada, é possível perceber um parâmetro de quão tóxico é o ambiente da plataforma em relação à imprensa.

No período deste relatório, a média de toxicidade das postagens analisadas no TikTok foi de 0,38, enquanto no Instagram esse valor foi de 0,19. No X, mesmo com o bloqueio ainda em vigor e com base em amostra residual, a média de toxicidade das postagens analisadas foi de 0,27. A postagem a seguir, extraída do TikTok no dia 29 de setembro, foi classificada com grau de toxicidade de 0,92: “jornalista um pedaço de merda”.

Fonte: ITS-Rio

Ataques fora das redes

O jornalista André Pessoa, do Portal 180 Graus, foi agredido no dia 28 de setembro enquanto cobria um comício do candidato Isaías Neto (PT), em São Raimundo Nonato, no sudeste do Piauí. Ele foi abordado por seguranças ao chegar no evento e espancado por seis pessoas, entre elas o fotógrafo da Prefeitura, Francisco Joaquim Tomaz Neto. O partido de Isaías Neto comanda o município, mas ele perdeu a eleição no dia 6. Durante o ataque, o jornalista teve seu celular e um drone furtados.

No dia 30 de outubro, a jornalista Paula Araújo, do Conexão GloboNews, sofreu uma agressão momentos antes de entrar ao vivo no canal a cabo. O incidente ocorreu em frente à sede da Rede Globo em São Paulo. A agressora tentou, sem sucesso, atacá-la com o tripé da câmera. Logo depois, desferiu um tapa na repórter e, ao deixar o local, acusou a emissora de perseguir Bolsonaro e seus apoiadores, usando a frase “globo lixo”.

O jornalista Bruno Soares, do Jornal Plural, e a diretora do Jornal Primeira Linha, Bárbara Letícia Mezzomo, foram alvo de uma campanha de descredibilização movida pelo candidato à Câmara Municipal de Foz do Iguaçu/PR, Darlon Dutra (Mobiliza). Em um vídeo de aproximadamente 10 minutos, o candidato faz acusações de irregularidades e corrupção contra os profissionais, mobilizando a opinião pública para questionar a imparcialidade e estigmatizando seu trabalho. Darlon não foi eleito vereador no último dia 6 de outubro.

O Jornal Plural também foi alvo da coligação do vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD), candidato à prefeitura de Curitiba/PR, que obteve uma decisão judicial que censura reportagens do veículo sobre um caso de coação de funcionários públicos na capital paranaense. O caso envolve áudios vazados de uma reunião entre servidores municipais, na qual um superintendente exige que subordinados adquiram convites de R$ 3 mil para um evento do candidato. A decisão sobre os conteúdos jornalísticos foi proferida no dia 3 de outubro pelo juiz Marcelo Mazzali, da 4ª Zona Eleitoral de Curitiba.

Com o cumprimento da medida liminar, os conteúdos não podem mais ser acessados e, após consulta aos autos do processo, não foi possível conhecer a íntegra das matérias removidas. Do que consta no processo, não se vislumbra qualquer abuso por parte do Jornal Plural a justificar essa medida extrema. Para a Coalizão em Defesa do Jornalismo, é imprescindível que conteúdos jornalísticos que venham a ser removidos por ordem judicial estejam registrados nos autos, para que a sociedade possa fazer uma avaliação crítica do que foi decidido pelo Poder Judiciário e até mesmo para que instâncias superiores possam revê-las.


Sobre o projeto

Este é o sexto relatório de monitoramento de ataques on-line contra a imprensa nas Eleições de 2024, que cobre de 26 de setembro a 6 de outubro (o período monitorado neste relatório foi ampliado para abarcar os dados do final de semana da votação do 1º turno). O projeto é realizado em parceria com o Labic/UFES e o ITS-Rio. A Coalizão em Defesa do Jornalismo (CDJor) monitora, desde o dia 15 de agosto, contas de jornalistas, meios de comunicação e de candidatos/as em todas as capitais do Brasil, nas plataformas de redes sociais X, Instagram e TikTok.

São registradas postagens com termos e hashtags ofensivas e estigmatizantes contra o trabalho da imprensa no âmbito da cobertura eleitoral. Episódios de ataques e violações ao trabalho da imprensa fora das redes também estão sendo acompanhados. A análise dos principais resultados do levantamento será publicada toda semana, até a realização do segundo turno. Ao final das eleições, um relatório consolidará a avaliação do período monitorado e trará recomendações às autoridades e plataformas digitais.

Integram a Coalizão em Defesa do Jornalismo: Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Associação de Jornalismo Digital – Ajor , ARTIGO 19 Brasil e América do Sul , Committee to Protect Journalists, FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas, Instituto Palavra Aberta, Instituto Vladimir Herzog, Instituto Tornavoz, Intervozes, Jeduca: Associação de Jornalistas de Educação e Reporters Without Borders (RSF).