Violência contra jornalistas diminui em 2024, mas FENAJ alerta: censura e assédio judicial estão em alta

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Apesar da redução no número de casos, a violência contra jornalistas no Brasil segue em um patamar preocupante. É o que revela o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2024, divulgado pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), que registrou 144 casos de agressões, o menor número desde 2018, representando uma queda de 20,44% em relação a 2023, quando foram contabilizados 181 casos.

A presidenta da FENAJ, Samira de Castro, destaca que a redução numérica não significa um ambiente mais seguro para o exercício do jornalismo. “Os ataques continuam, mas se tornam mais sofisticados e perigosos. Estamos vivendo uma transição da violência física para formas estruturais de silenciamento, como o assédio judicial e a censura”, afirmou.

A avaliação é compartilhada pelo pesquisador Rogério Christofoletti, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e membro do Observatório da Violência contra Jornalistas e Comunicadores da Secretaria Nacional de Justiça/Ministério da Justiça e Segurança Pública. “O número de casos é menor que o do ano passado, mas ainda é maior que 2018, o que mostra uma resistência da violência contra os profissionais. O governo violento de Bolsonaro acabou mas não conseguimos baixar de um certo patamar. Em 2018 foram 135. Essa resistência pode sugerir que a violência esteja sedimentada na sociedade, e é preciso fazermos mais pra reduzir esses números”, afirma.

Tipos de violência

Entre os tipos de violência mais recorrentes, o relatório aponta um crescimento proporcional do assédio judicial, que passou de 13,81% dos casos em 2023 para 15,97% em 2024, totalizando 23 registros. A FENAJ destaca que o termo “cerceamento por meio de ação judicial” foi substituído por “assédio judicial” para explicitar o caráter abusivo e recorrente dessas ações, muitas vezes promovidas por políticos, empresários e lideranças religiosas, com o objetivo de intimidar e censurar jornalistas.

Outro dado preocupante é o crescimento de 120% nos casos de censura, que saltaram de 5 para 11 episódios no período, impulsionados sobretudo por decisões judiciais e pressões de agentes públicos. “A censura está se institucionalizando, muitas vezes por vias legais, o que torna o cenário ainda mais grave”, disse Samira.

Já os casos de agressões físicas caíram de 40 para 30 registros, uma redução de 25%. Apesar disso, a FENAJ alerta que os episódios continuam sendo alarmantes, incluindo tentativas de homicídio e ataques com arma de fogo. As ameaças e intimidações, por sua vez, somaram 35 ocorrências, o equivalente a 24,31% do total, mantendo-se estáveis em números absolutos.

Durante o período eleitoral de 2024, que vai de maio a outubro, foi registrado o maior número de ataques: 38,9% dos casos ocorreram nesse intervalo, com julho sendo o mês mais violento do ano. A entidade atribui esse aumento ao acirramento do discurso de ódio, em especial promovido por grupos de extrema direita.

 

Regiões e estados mais violentos

A Região Sudeste concentrou o maior número de casos de violência contra jornalistas em 2024, com 38 episódios, que representam 26,39% do total. O Nordeste apareceu em segundo lugar, com 36 casos, representando 25% do total. Juntas, essas duas regiões
responderam por mais de 51% dos episódios registrados no Relatório. Em termos absolutos, houve crescimento do número de casos nas regiões Norte (que passou de 19 para 22 casos) e Sul, com 31 casos, contra 30 no relatório anterior.

A maior redução foi registrada no Centro-Oeste, que caiu de 40 para 17 casos. A queda é expressiva, mas há suspeitas de subnotificação, já que parte dos ataques pode não ter sido reportada aos sindicatos. Nos anos anteriores, a região — especialmente o Distrito Federal — havia liderado o ranking nacional, impactada por ataques verbais e simbólicos institucionalizados durante o governo de Jair Bolsonaro.

No Nordeste, os casos caíram de 45 para 36, mas a participação percentual nacional aumentou ligeiramente. A Bahia foi novamente o estado com mais registros (nove), seguida de Alagoas e Paraíba (seis casos cada). O Maranhão teve quatro registros, mas um deles foi dos mais graves do ano: um incêndio criminoso à sede da TV Cidade, em Codó, e ameaça de morte a um repórter. Ceará e Pernambuco apresentaram três ocorrências cada — metade dos números de 2023. Rio Grande do Norte e Piauí tiveram dois casos, e Sergipe, apenas uma.

O Sudeste continua concentrando o maior número absoluto de casos: 38 no total. São Paulo lidera com 23 ocorrências, respondendo por 60,5% da região e quase 16% do total nacional. A maior parte dos ataques ocorreu fora da chamada “grande mídia”, em cidades menores. O Rio de Janeiro teve nove casos, Minas Gerais, cinco, e o Espírito Santo, apenas um.

No Sul, o número subiu levemente: de 30 para 31. O Paraná teve o maior salto, de 11 para 15 casos, e passou a responder por 10,42% dos casos nacionais. Rio Grande do Sul e Santa Catarina registraram oito ocorrências cada, sendo que SC teve um caso a mais que no ano anterior.

A Região Norte, que no ano anterior era a menos violenta para jornalistas, passou de 19 para 22 casos. O Amazonas lidera com 8 registros, seguido do Pará (seis), Tocantins (três), Acre e Rondônia (dois cada) e Roraima (um). O Amapá não teve ocorrências registradas, mas há possibilidade de subnotificação. O Pará mostrou uma queda consistente desde 2022, quando teve 21 casos, sugerindo um avanço na proteção à categoria.

Embora haja sinais de melhora em algumas regiões, os dados reforçam que a liberdade de imprensa continua sob risco em diferentes partes do Brasil. “A descentralização dos ataques – que agora atingem com mais frequência jornalistas de veículos locais – revela um cenário onde o trabalho jornalístico permanece vulnerável, sobretudo em contextos políticos polarizados. É essencial fortalecer os mecanismos de denúncia, proteção e responsabilização para que a democracia não continue sendo ameaçada pela intimidação e violência contra quem informa a sociedade”, pontua a presidenta da FENAJ.

Quem são os agressores

Para não fugir à regra, os políticos continuam disparados no ranking dos maiores agressores de jornalistas e à liberdade de imprensa no país. Em 2024, foram 48 episódios que envolveram agressões físicas e verbais, tentativas de intimidação, ofensas em atos públicos de campanha, tentativas de censura a matérias e assédio judicial, um dos itens
que mais cresceu no último período.

A esses 48 agressores políticos, que representaram 33,33% de todos os ataques,
acrescente -se apoiadores diretos (cinco ocorrências), manifestantes de extrema direita (seis casos) e servidores públicos ou órgãos como Prefeitura e Governo de Estado (nove casos), que, em última análise, estão a serviço de interesses de políticos.

Para o secretário de Saúde e Segurança da FENAJ, Norian Segatto, “o relatório evidencia um padrão ideológico entre os agressores: mais de 40% dos ataques partiram de setores da direita e extrema direita, com políticos, assessores e apoiadores figurando como os principais autores das violências”.

Violência por gênero

A violência de gênero é outro ponto de atenção. Jornalistas mulheres não aparecem como alvos preferenciais (numericamente), mas são vítimas de ataques misóginos, incluindo insultos, desqualificações profissionais e ameaças simbólicas. “O machismo e a misoginia se somam ao autoritarismo para tentar silenciar as vozes femininas no jornalismo”, pontuou a presidenta da FENAJ.

Em 2024, foram registradas 81 vítimas do sexo masculino, 47 do sexo feminino, e 26 casos configurados como ataques coletivos ou contra profissionais de maneira genérica em uma determinada mídia.  Percentualmente, 52,60% dos registros tiveram como alvo jornalistas do sexo masculino, 30,52% mulheres, e 16,86% dos casos foram ataques coletivos ou em que não foi possível apurar o gênero. Nenhum ataque a jornalistas trans foi relatado.

 

Cenário internacional

No cenário internacional, a situação também é alarmante. Em 2024, 122 jornalistas foram assassinados em todo o mundo, com a maioria das mortes ocorrendo na Faixa de Gaza, em meio à ofensiva israelense contra o povo palestino. O relatório também alerta para os riscos à liberdade de imprensa com a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos e o papel das big techs na disseminação de desinformação e na tolerância a projetos autoritários.

Para a FENAJ, os dados exigem atenção e ação imediata. “A liberdade de imprensa é uma condição para a democracia, os direitos humanos e a soberania nacional. Não podemos tratar a redução de casos como sinal de estabilidade. A luta agora é contra novas formas de censura que se disfarçam de legalidade”, concluiu Samira de Castro.

A entidade reforça a necessidade de garantir salários dignos, segurança no trabalho e combate sistemático aos discursos de ódio, especialmente com a aproximação do próximo ciclo eleitoral em 2026.

Acesse o relatório AQUI