A formação específica é fundamental para qualificar o Jornalismo

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Como está a qualidade do ensino de Jornalismo no Brasil e quais os desafios nesta área? Nesta edição do Entrevistas da FENAJ, os jornalistas e professores Gerson Martins e Elias Machado falam sobre esta questão, a proposta de reforma universitária do governo federal e, também, do Seminário sobre o tema que FNPJ, SBPJor e FENAJ promovem em Brasília no próximo dia 18. 

Gerson Luiz Martins, jornalista, doutor em jornalismo pela ECA/USP, é professor da UFRN e presidente do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (www.fnpj.org.br), foi Diretor Regional Centro-Oeste da INTERCOM, articulista do jornal Correio do Estado (MS) e Tribuna do Norte (RN), pesquisador na área de jornalismo digital e ensino de jornalismo e diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul.

Elias Machado é jornalista e doutor em Jornalismo pela Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha. É um dos pioneiros na pesquisa em jornalismo digital no Brasil e trabalha como pesquisador no Grupo de Pesquisa em Jornalismo On-line (http://www.facom.ufba.br) da Universidade Federal de Bahia, desde o ano de 1995. Atualmente é o presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor) –http://www.sbpjor.org.br .

E-FENAJ – Bem, geralmente buscamos identificar quem são os participantes de nossa coletiva virtual e qual sua procedência, mas nem sempre estas informações nos chegam. Assim, vamos identificá-los à medida do possível. Eis a primeira questão: o Zequinha Neto, de Jundiaí (SP) atua também como professor na Universidade Federal de Roraima. Ele informa que na UFRR, numa articulação entre professores, sindicato e profissionais, conseguiram mudar o vestibular para os candidatos a uma vaga em Jornalismo. Eles terão a prova de redação como eliminatória e, em seguida, uma prova específica, de atualidades. Embora a UFRR seja a primeira no Brasil a promover tais mudanças, o Zequinha propõe, ainda, outras alterações no vestibular de Jornalismo, como a eliminação da prova da área de exatas e mais peso às matérias de ciências humanas. E pergunta: vocês concordam com estas mudanças? Há chance de se sonhar com um vestibular diferenciado para Jornalismo?

Gerson Martins – Concordo em parte. Creio que são medidas interessantes se a universidade realizar um diferencial para o vestibular aos candidatos do Curso de Jornalismo. Pessoalmente entendo que não deveríamos ter aulas de informática no Curso_ pois isso é pré-requisito na atividade jornalística e deveria ser também para aqueles que se candidatam a uma vaga nos Cursos de Jornalismo. Minha concordância parcial está no aspecto que a situação ocorrida na UFRR não é de fácil assimilação pelas universidades. Realizar provas específicas demanda custos e estrutura, mas considero muito interessante e ainda a possibilidade no tocante à informática. É difícil constatar que muitos estudantes de jornalismo não sabem manipular o computador e escrever no âmbito de um processador de texto. Recordo-me que no meu período pré-vestibular, éramos obrigados a saber datilografia. Embora não fosse uma prova específica, mas uma condição importante para desempenhar as atividades no curso superior. No que diz respeito ao maior peso às matérias de ciências humanas, gostaria de dizer que, em primeiro lugar o sistema de classificação, seleção atual, que nem é mais denominado de vestibular, tende a desaparecer. Enquanto isso, um reforço às matérias de ciências humanas e sociais é importante.

Elias Machado – Esta iniciativa dos colegas de Roraima, que, ao menos no caso das provas de redação como eliminatória não é uma novidade, tendo em vista que já fora adotada pela UFSM desde 1986, me parece, hoje, merecer uma discussão detalhada. Não tenho dúvidas de que a incorporação de provas específicas pode vir a contribuir para a melhor seleção dos futuros estudantes. Em todo caso, penso que este tipo de mudança deveria ser bem discutida, principalmente no caso da eliminação da prova de exatas e do aumento do peso das matérias de ciências humanas. Um profissional que atua como jornalista deve ter claro que todas as disciplinas são essenciais para o conhecimento da realidade. Muitas vezes, de forma equivocada, existe uma certa mitologia em torno das ciências humanas em detrimento das ciências exatas na formação dos jornalistas. No meu entendimento, o bom jornalista necessita de uma excelente formação interdisciplinar em que tanto as ciências humanas quanto as exatas têm muito a contribuir. No caso do modelo adotado na UFSM, o vestibular tinha duas etapas. Na primeira o aluno realizava provas em todas as áreas, com questões objetivas. Na segunda, submetia-se a provas de redação, língua estrangeira, história, geografia e redação, todas dissertativas.

E-FENAJ – Malu Machado quer saber como está a discussão em torno da unificação dos currículos universitários para o curso de Comunicação Social e o que vocês vêem de positivo e negativo nesta proposta?

Gerson Martins – Creio que a unificação está a cada dia mais distante. Nos processos de autorização, reconhecimento e avaliação dos cursos há um direcionamento no aspecto da identidade regional dos cursos. Destaca-se como importante que cada curso tenha uma identidade clara e que essa esteja de acordo com o local, a região onde está situado. Porém, isso não significa estruturas curriculares esquizofrênicas. Os conteúdos da formação jornalística, não obstante suas regionalizações, são muito semelhantes tendo em vista os processos de produção. Ou seja, mesmo que um curso busque sua identidade regional, as disciplinas que tratam da formação específica não podem “inventar” conteúdos. Nesse caso não existe ou não existir_atilde;o maiores dificuldades quando algum estudante for proceder a sua transferência de curso. Entendo que a identidade regional e ainda a perspectiva dada ao curso, sua característica principal é uma perspectiva saudável. Essa caracterização vai auxiliar, em minha opinião, nas possibilidades de campo de trabalho e de mercado.

Elias Machado – Pelas atuais Diretrizes dos Cursos de Comunicação os cursos têm plena autonomia para a definição dos currículos. Uma das conquistas destas diretrizes consiste em possibilitar que, considerando uma matriz nacional, cada curso seja concebido em plena consonância com as demandas de cada região. A reforma da Lei da Educação Superior, que deve ser encaminhada ao Congresso pelo Governo, pode vir a modificar esta situação, embora o anteprojeto deixe antever que a atual autonomia deve ser mantida. Se a colega entende a unificação dos currículos como a obediência a diretrizes nacionais, pode-se dizer que existe um razoável consenso entre as três entidades de que, respeitadas as diretrizes nacionais, cada currículo seja adaptado à realidade local. Caso a unificação seja entendida como sinônimo de formação única para todas as habilitações – o que poderia se configurar com a volta do ciclo básico – não tenho dúvidas de que esta proposta enfrentaria a oposição das entidades do campo do jornalismo porque contraria todos os esforços realizados ao longo das duas últimas décadas em defesa da formação superior específica.

E-FENAJ – O Rodrigo Galdino é estudante e nos conta que está montando um site e um blog sobre Jornalismo. Democraticamente, ele encaminhou duas perguntas para cada um de vocês. Primeiro para o Gerson:
1. Você acha que a grade curricular das faculdades de Jornalismo brasileiras garantem ao futuro jornalista uma formação condizente com a necessidade do mercado, formando humanística e tecnicamente para o exercício da profissão, ou os conteúdos estão muito aquém da necessidade?
2. Existem faculdades, segundo ele principalmente particulares, que não dispõem de laboratórios para prática inicial da profissão (radiojornalismo, TV e estúdios de fotografia, por exemplo). Estes laboratórios são obrigatórios para os cursos de jornalismo brasileiros, ou não há nenhuma exigência quanto a isso na legislação em vigor?
Já para o Elias ele pergunta: 
1. O que as pesquisas mais recentes sobre jornalismo afirmam sobre o online? Ele está afetando a audiência de outros meios tradicionais, como TV, rádio e impresso?
2. O jornalismo, dentre suas inúmeras funções, deve buscar a melhoria das condições de vida da população, através da luta pela manutenção dos direitos humanos e/ou até mesmo pela conscientização da população quanto ao seu “poder”, enquanto indivíduos inseridos num contexto social. Na sua opinião, qual foi a maior vitória (política, social, econômica, etc.) do jornalismo brasileiro até hoje?

Gerson Martins – Infelizmente, boa parte das estruturas curriculares de nossos cursos não é condizente com a formação profissional do jornalista e não quero ter como referencia apenas o mercado de trabalho, mas, como dizem Kovach e Rosenstiel, a filosofia do jornalismo. Há boas escolas, estruturas curriculares excelentes e adequadas. Não podemos, por outro lado, entender que elas sejam permanentes. Nossa atividade, nossa profiss&at_lde;o é dinâmica e necessita atualizações constantes. De maneira geral, muitas estruturas curriculares estão longe das necessidades profissionais e sociais do jornalismo. O Fórum de Professores de Jornalismo tem, em seus encontros nacionais, um Grupo de Trabalho que se dedica a discutir e refletir essa questão. É sintomático perceber a angustia de muitos professores de jornalismo que reclamam e denunciam estruturas deficitárias, esquizofrênicas, inadequadas. O Fórum tem um papel muito importante nesse aspecto. Daqui há um ou dois anos recomeçaremos os processos de avaliação das condições de ensino dos cursos. Será um momento importante para melhorar essa situação. Espero que todos os consultores do INEP que vão realizar esse trabalho, o façam de forma séria, responsável e principalmente, na demanda das reflexões apuradas no FNPJ.
Quanto à segunda questão, entendo que os laboratórios das áreas da comunicação são condições elementares para os cursos. A obrigatoriedade de oferta dos laboratórios acontece no processo de autorização e de reconhecimento dos cursos. Se nesses momentos os consultores não exigirem condições laboratoriais minimamente adequadas, dificilmente uma situação precária poderá melhorar. As atividades de pratica do jornalismo, que muitos chamam de estágio, deve ser realizada, nos primeiros anos do curso, no âmbito dos laboratórios. Os estudantes não podem admitir que lhes seja negada essa condição. Verifico muitas vezes que inúmeros estudantes ficam satisfeitíssimos quando conseguem uma oportunidade fora das escolas, em empresas de comunicação. São transformados em mão-de-obra barata e prejudicam enormemente as possibilidades de qualificação do mercado de trabalho. Conheço muitos estudantes, vários ex-alunos, que hoje não conseguem um lugar, uma oportunidade nas empresas de comunicação, no mercado de trabalho, porque estão ocupados por estudantes. Enquanto eram estudantes não percebiam o problema que causavam, agora como profissionais entendem todas as argumentações que os professores faziam pela não realização de “estágio” no mercado. Com o advento tecnológico são inúmeras as possibilidades da prática, ou melhor, da práxis jornalística no âmbito dos cursos.

Elias Machado – Todas as pesquisas empíricas realizadas tanto por especialistas brasileiros quanto estrangeiros, nos últimos 10 anos, revelam que o aumento do uso de informações do jornalismo digital significa uma redução da atenção dedicada aos chamados meios convencionais. 
Este tipo de comportamento é compreensível porque enquanto o número de novos meios aumenta, o tempo dos usuários dedicado ao uso destes meios permanece o mesmo. Neste sentido, o novo meio provoca uma alteração nos hábitos até então vigentes. 
No caso específico do aparecimento do jornalismo digital, o que se verifica é que existe uma redução significativa nas tiragens dos jornais e revistas e no número de horas dedicadas ao uso das informações de TV, principalmente no que se refere à obtenção de informações em tempo real.
Já quanto à segunda pergunta, neste tipo de discussão, em vez de apontar um determinado fato na nossa história que revele o poder do jornalismo para defender os interesses da população, creio que a principal vitória do jornalismo tenha s_do disseminar no seio da sociedade a compreensão de que muitos dos avanços democráticos conquistados ao longo da nossa história são, em boa medida, uma decorrência do bom jornalismo praticado no país.

E-FENAJ – A jornalista Edilce Mesnerovicz comenta a dificuldade de exercer a profissão atualmente e considera que muitas vezes as próprias universidades reprimem certos assuntos nos seus jornais produzidos por acadêmicos, dificultando o jornalismo investigativo, e que há pouco estímulo aos alunos para a prática real do jornalismo. Ela pergunta: como estão a sensibilização, articulação e mobilização para a prática profissional dentro das universidades?

Gerson Martins – A pratica profissional, ou melhor, a práxis profissional deve ser amplamente estimulada e promovida nos Cursos de Jornalismo. Os dirigentes dos cursos devem promover projetos, atividades, trabalhos que possam proporcionar aos estudantes condições da prática jornalística. Num curso de jornalismo que coordenei lembro que tínhamos jornal laboratório, agência de notícias, tele-jornal, jornal mural, boletim, enfim, possibilidades de prática jornalística para os estudantes. Contudo nem sempre querer é poder. Há muitos colegas, professores, coordenadores de curso que têm muitos e excelentes projetos, mas dada a dificuldade de infra-estrutura ou da própria instituição não conseguem executar esses projetos. Novamente quero destacar o Grupo de Trabalho do FNPJ, especificamente os Grupos de Produção Laboratorial, impresso e eletrônico que têm sido espaços privilegiados de troca de experiências e do conhecimento de práticas novas e interessantes. De resto, todo trabalho jornalístico no âmbito dos cursos deve se pautar pela ética do jornalista e assim estar apto para desenvolver um trabalho sério e de excelente qualidade.

Elias Machado – Trata-se de uma questão de extrema relevância e que se desdobra em duas partes. Uma delas tem a ver com os órgãos de comunicação institucionais das universidades (jornais, rádios e Tvs). A outra tem a ver com os órgãos laboratoriais, elaborados pelos estudantes de jornalismo. No primeiro caso, existe uma necessidade de criação de política institucional de comunicação que estabeleça de forma clara as políticas editoriais de cada um destes órgãos. Muitas vezes, na ausência destas políticas editoriais, estes órgãos acabam por servir mais aos reitores de turno do que aos interesses institucionais. No segundo caso, do mesmo modo, a falta de políticas editoriais claras para muitos órgãos laboratoriais dificulta, quando não impede, a investigação de questões polêmicas vinculadas às próprias instituições. Um bom órgão laboratorial deveria ter políticas editoriais bem definidas e conselhos editoriais ativos que garantissem a prática de um jornalismo de qualidade e que permitissem uma formação adequada aos futuros profissionais, um desafio já alcançado por várias das melhores instituições no país.

E-FENAJ – Eliana de Souza Lima, que trabalha na Embrapa, comenta que muitas escolas utilizam jornais e revistas em programas de alfabetização e de estímulo à leitura, mas esquecem que o jornalista, se não for instruído e ter cultura geral, reproduzirá os mesmos erros e o mesmo discurso dos veículos e das classes dominantes. Ela quer saber: como vocês vêem a questão da m&i_cute;dia como instrumento de educação? Para cumprir esta função social a mídia não deveria primeiramente passar por uma reciclagem? Ou vocês consideram que educação não é papel da mídia e sim do Estado?

Gerson Martins – Penso no jornalismo como forma de conhecimento e tenho trabalhado nessa linha junto aos alunos da graduação no curso da UFRN. Nesse aspecto entendo o jornalismo como instrumento de educação. O jornalismo é fator de conhecimento histórico, da economia, da geografia, da sociologia, da matemática, e de tantos outros elementos da cultura geral. O cidadão, o leitor conhece também pelo jornal e o jornalismo tem grande responsabilidade nesse sentido. Para que essa característica ou função social do jornalismo se realize é necessário que os cursos façam essa reciclagem. De outro lado devemos lembrar que a mídia e os jornalistas enquanto produtores de conteúdo representam uma parcela ínfima no contexto geral da mídia. De nada adianta que profissionais e mesmo os responsáveis pela formação tenham clareza e consciência da importância desse fato, se os donos das empresas midiáticas não têm. Enquanto os proprietários da mídia buscarem o lucro exacerbado, o domínio da sociedade para atingir objetivos particulares, privados, mesmo a despeito da crise de credibilidade, por certo não haverá possibilidades de caracterizar a mídia como fator de educação. E, apesar disso, de suas mazelas há um precário processo educacional no sentido do controle social. Nossa atividade profissional está fragilizada. Afinal, o que é o jornalismo? O que faz o jornalismo no momento atual?

Elias Machado – O processo de educação vai muito além da escola formal. Numa sociedade mediatizada como a nossa, é evidente que os meios de comunicação cumprem com uma função essencial na educação das pessoas. Não podemos esquecer que uma boa parte dos jornais, revistas e meios de comunicação no país já mantêm programas de estímulo à leitura em escolas.
Como uma instituição que detém um poder real na sociedade, o jornalismo desempenha uma função concreta de educação, de alfabetização das pessoas. Para bem cumprir com sua missão, não tenho dúvidas de que as organizações jornalísticas deveriam passar constantemente por reciclagens para aperfeiçoar os seus procedimentos profissionais. E, em qualquer caso, seria bom que ficasse claro que o jornalismo não deve ser visto como um instrumento, mas sim como uma parte constitutiva no processo de educação nas sociedades contemporâneas.

E-FENAJ – O Mário Messagi Júnior, que é Professor da UFPR e diretor do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, diz que estudar o jornalismo é importante, naturalmente, para compreendê-lo melhor, criticá-lo com consistência e para praticá-lo de forma mais profissional. E questiona: é possível relacionar o estudo do jornalismo com a defesa da exigência de formação superior específica? Produzir ciência sobre o jornalismo valoriza também a profissão?

Gerson Martins – Considero que sim. Somente haverá uma crítica, uma compreensão e uma profissionalização na medida da qualificação por meio do ensino superior em jornalismo. Entendo assim que devemos ter Cursos de JORNALISMO. Em nossa área é notável o acúmulo que nos permite pensar numa _ldquo;ciência” do jornalismo. Não podemos reproduzir nas escolas o jornalismo que se realiza na atividade. Podemos e devemos gerar novos conhecimentos em jornalismo e assim produzir nossas possibilidades do fazer jornalístico. O jornalismo deve ser pensado nos cursos, não pode ser mais o ensino de técnicas simplesmente. Técnicas de jornalismo podem ser aprendidas em cursos de boa qualidade oferecidos por entidades no sistema de aprendizagem dos comerciários, da indústria e em outras instituições educativas patrocinados pelos governos estaduais e municipais.

Elias Machado – Numa sociedade complexa como a nossa necessitaríamos ter como um pressuposto que o exercício de qualquer profissão especializada deveria passar pela formação específica. No caso do jornalismo, um campo profissional com mais de quatro séculos de existência e com mais de 100 anos de ensino especializado, todas as evidências revelam que a formação superior aparece como um pré-requisito indispensável para a prática da profissão. Qualquer estudo sério sobre o jornalismo demonstra que a exigência de formação contribuiu para melhorar a qualidade das coberturas e a dignidade dos profissionais, a começar pela criação de pisos salariais específicos e a elaboração de padrões deontológicos comuns. 
A produção de conhecimento científico sobre o jornalismo valoriza a profissão de duas maneiras: 1) possibilita a todos os cidadãos a compreensão da complexidade e a natureza desta prática tão relevante para o funcionamento das sociedades contemporâneas e 2) permite que o acesso à profissão seja vedado a quem não detenha condições mínimas para o desempenho das atividades como jornalista. 

E-FENAJ – Como estamos próximos do Seminário Nacional Sobre a Reforma Universitária, promovido pela FENAJ, FNPJ e SBPJor e que acontece dia 18 em Brasília, vamos a algumas perguntas encaminhadas pelos editores do Entrevistas. Quais os maiores impactos do projeto do MEC sobre a Reforma Universitária no campo de ensino do Jornalismo?

Gerson Martins – O documento produzido pelo FNPJ, FENAJ e SBPJor é substancial nas reflexões sobre as repercussões que o projeto da Reforma Universitária poderá infligir aos cursos de jornalismo. Estão claras as reflexões das entidades sobre a questão do chamado ciclo básico, da redução do tempo de duração dos cursos. Em reunião recente com o professor Mário Pederneiras da Secretaria de Educação Superior do MEC, as três entidades reforçaram o tempo mínimo de 2700 horas para o curso de jornalismo, garantidas pela Resolução CNE 329/2004. Assim, não podemos aceitar a diminuição do tempo de 4 anos, em que se desenvolvem essas 2700 horas, bem como temos que reforçar a necessidade de um ensino de jornalismo pautado em disciplinas que tratem de jornalismo, desenvolvam a atividade jornalística e, fundamentalmente, gerem novos conhecimentos do e no jornalismo. Precisamos avaliar cuidadosamente a versão final do texto do anteprojeto que foi entregue ao presidente Lula e que será enviado ao Congresso, segundo informações, até o final do mês de setembro. Professores de Jornalismo, Jornalistas, Pesquisadores em Jornalismo, estudantes, todos devemos ficar atentos às mudanças que podem precarizar a formação do profissional de jornalismo sob vários aspectos. Nesse sentido gostaria de reforçar a necessidade de que todos os professores de jornalismo conheçam deta_hadamente o anteprojeto e o documento produzido pelas três entidades.

Elias Machado – Os principais impactos previstos na atual proposta são a criação de um chamado ciclo básico, com dois anos de disciplinas humanísticas e a redução do tempo de formação para 3 anos. Se adotadas, estas duas medidas irão acabar com conquistas históricas do campo do jornalismo como o currículo com um mínimo de 2.700 horas e a incorporação das disciplinas específicas desde o primeiro semestre do curso. 
Até aqui o MEC tem defendido a implantação destas duas medidas e, nas nossas últimas reuniões com a equipe do ministério que elaborou o anteprojeto, conseguimos uma manifestação de apoio da parte do MEC as nossas preocupações. Se quisermos manter o curso de graduação com um mínimo de qualidade aceitável não podemos abrir mão nem dos quatro anos de formação, muito menos da articulação entre teoria e prática ao longo de todo o período de permanência do aluno no curso.

E-FENAJ – Representantes da FENAJ, SBPJor e FNPJ tiveram algumas reuniões com o MEC apresentando suas propostas conjuntas. Qual o saldo deste diálogo?

Gerson Martins – Entendo como muito positivo. Tivemos um avanço significativo no relacionamento MEC e entidades do Campo do Jornalismo. Hoje o campo do jornalismo está plenamente representado na composição das áreas de ensino, pesquisa e profissão. Até alguns anos atrás somente a FENAJ fazia uma discussão com o Ministério no que diz respeito aos Cursos de Jornalismo. Agora temos uma representação mais sólida e com maior respaldo perante os agentes do campo. Dessa forma temos condições de apresentar as questões da área e sermos ouvidos. O interesse demonstrado pela Coordenadora do Anteprojeto da Reforma, professora Eunice Araújo às propostas elaboradas pelo FNPJ, FENAJ e SBPJor sistematizadas no documento Contribuições do Campo do Jornalismo para o anteprojeto da Reforma Universitária sinalizou a qualidade e a pertinência das propostas. A partir disso abrimos um espaço significativo de diálogo com o MEC para que possamos, no decorrer do tempo, discutir as outras questões que nos preocupam, principalmente no que diz respeito à autorização de novos cursos e à qualidade dos existentes. Pretendemos, por ocasião do Seminário em Brasília, marcado para o dia 18 de agosto, fazer uma reunião na SESu para que possamos iniciar um diálogo sobre essas questões.

Elias Machado – O saldo mais importante consistiu em evitar que o MEC elaborasse uma proposta à revelia dos interesses dos especialistas do campo. Até aqui, no caso específico do jornalismo, não obtivemos do Governo nenhuma garantia de que a formação específica desde o começo do curso será mantida ou que o mínimo de 2.700 horas estaria assegurado na proposta que será enviada ao Congresso Nacional. Este tipo de constatação não significa que o processo de negociação tenha sido improdutivo. Pelo contrário, ao menos nas últimas reuniões, conseguimos apoio do MEC para manter a duração dos cursos em 4 anos, com 2.700 horas e com o ensino das disciplinas práticas desde o começo da faculdade. Ao discutirmos diretamente com o MEC, qualificamos uma interlocução direta dos representantes do campo do jornalismo com o Governo, uma articulação essencial porque supera os interesses específicos de cada uma das entidad_s e consolida a identidade de pesquisadores, profissionais, professores e estudantes de uma área de atuação.

E-FENAJ – Qual a expectativa de vocês com relação ao seminário da próxima semana?

Gerson Martins – As melhores possíveis. Esperamos que professores de jornalismo, jornalistas e pesquisadores possam participar de forma qualitativa e quantitativa. Sabemos das dificuldades de deslocamento de todos, mas acreditamos que teremos uma boa participação. Será um novo passo, pequeno, mas muito importante para a qualificação dos cursos, da atividade e do desenvolvimento do jornalismo brasileiro pautado no crescimento das pesquisas. A partir daí temos os espaços consagrados de discussão representados pelo congresso dos jornalistas, pelo encontro nacional dos pesquisadores em jornalismo e pelo também encontro nacional dos professores de jornalismo. Esperamos que o Seminário contribua para a ampliação e consolidação de nossas propostas para o anteprojeto de Reforma Universitária e para a qualidade da formação superior em jornalismo.

Elias Machado – Tenho dois tipos de expectativa. Em primeiro lugar, que a proposta de reforma universitária, que será formalmente apresentada pelo MEC, seja amplamente discutida pelos representantes de jornalistas, pesquisadores, professores e estudantes de todo o país. Em segundo lugar, que a discussão desta proposta possibilite o aperfeiçoamento das contribuições do campo do jornalismo que serão negociadas daqui para frente com o MEC e com os congressitas, durante o debate do projeto do Governo.

E-FENAJ – Para finalizar, o que levou as três entidades a desenvolverem esta ação conjunta? Que outras ações podem ser encaminhadas coletivamente e que outros benefícios podem trazer?

Gerson – Como afirmei anteriormente, as três entidades representam o tripé de uma atividade profissional, social. A integração representa conjugar esforços para resolvermos, ou pelo menos encaminharmos propostas de resolução de problemas comuns. Qualidade (pesquisa) do trabalho jornalístico (profissional) que passa pela formação (ensino). Entendo que a parceria concretizada entre as três entidades, Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, Associação de Pesquisadores em Jornalismo e Federação Nacional dos Jornalistas é necessária, importante e deve ser ampliada e consolidada.
Para frente temos inúmeros itens que merecem uma ação conjunta. Para que isso aconteça da melhor maneira, é necessário um envolvimento e uma participação maior dos profissionais, dos professores e daqueles que fazem pesquisa em jornalismo. Percebo que muitos colegas ainda estão alheios a tudo isso e sofrem de problemas que em muitas ocasiões foram debatidos nos encontros de cada entidade. Talvez, no futuro, as três entidades possam realizar, em conjunto, um evento nacional de jornalismo.

Elias Machado – No caso da SBPJor, desde a nossa criação trabalhamos com o espírito de atuarmos em conjunto com todas as demais entidades do campo. Para mim estava claro que deveríamos estabelecer contatos permanentes com as demais entidades para defender posições conjuntas porque teríamos mais condições de atingir objetivos comuns. O grau de articulação que alcançamos, com a elaboração de documentos conjuntos e com reuniões tripartites no MEC, demonstra o acerto de nossas ações. 
Antes mesmo de discutirmos os documentos conjuntos já mantínhamos contatos com as outras entidades _ara realizarmos um seminário nacional sobre a especificidade do jornalismo como prática profissional. Nossa intenção era realizá-lo em agosto deste ano, mas, tendo em vista a necessidade de responder aos desafios da conjuntura, resolvemos priorizar a discussão do projeto de reforma universitária. Concluído este trabalho com a reforma, passaremos a tratar deste outro seminário nacional para discutir o jornalismo como prática profissional.

E-FENAJ – Obrigado colegas. Para a próxima edição da nossa coletiva virtual, convidamos as diretoras do Departamento de Mobilização em Assessoria de Comunicação, Fábia Gomes e Maria de Lourdes da Paixão Augusto, a “Lourdeca”. Elas abordarão principalmente a organização do XV ENJAC – Encontro Nacional de Jornalistas em Assessoria de Comunicação, marcado para 22 a 25 de setembro de 2005, no Rio de Janeiro. Os interessados em participar devem enviar suas perguntas paraboletim@fenaj.org.br até 18 horas do dia 23 de agosto, especificando, na linha de assunto, “Entrevistas da FENAJ”.