O exercício do jornalismo, no Brasil, vem se transformando numa atividade de alto risco. Em função do crescimento da violência contra os profissionais de comunicação, a Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da FENAJ, Carmen Silva é a entrevistada desta edição do Entrevistas da FENAJ. Presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará e 2º Tesoureira da Federação, Carmen coleciona importantes experiências no Jornalismo. Foi repórter de política dos jornais O Liberal e Diário do Pará, desenvolveu trabalhos freelancer para veículos como a Gazeta Mercantil, O Globo e Editora Abril, trabalhou na Coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura de Belém, prestou serviço para secretarias do governo do Estado do Pará e foi pr_fessora do curso de Comunicação Social da UFPA.
E-FENAJ – Estão se tornando cada vez mais constantes os casos de pressões, agressões e até morte de jornalistas para cercear o livre exercício da profissão. Sempre que acionada, a FENAJ tem se manifestado junto às autoridades e denunciado tais fatos. O que mais é possível fazer para coibir estas violências?
Carmen Silva – Além das manifestações e denúncias, acreditamos que podemos sensibilizar o Poder Público para que efetivamente investigue os casos e puna os culpados. Precisamos inibir a violência que torna o Brasil um dos Países das Américas mais perigosos para o exercício do jornalismo, segundo as estatísticas divulgadas por órgãos internacionais. A Campanha Nacional em Defesa da Liberdade de Imprensa está inserida nesta meta de tornar público e denunciar as agressões contra os jornalistas como forma de cobrar das autoridades mais segurança e empenho. A campanha também visa sensibilizar a sociedade a defender este que é um dos principais pilares de sustentação da democracia. Temos que envolver a todos para que, efetivamente, tenhamos no Brasil liberdade de imprensa e não a liberdade que os poderosos têm de informar o que eles querem.
E-FENAJ – Geralmente só ganham destaque os casos de violência mais gritantes. O medo de retaliações está vencendo e sufocando a possibilidade de reação dos jornalistas?
Carmen Silva – É verdade que só ganham eco os casos mais graves, mas estamos trabalhando para mudar isso. Com a campanha, queremos envolver os jornalistas e fazer com que incorporem a seu cotidiano o hábito da denúncia. Não é uma tarefa fácil, porque em muitas redações as ameaças são encaradas como “obstáculos normais” do ofício ou, pior, como “ordem do patrão”. Mas eu acredito no poder de reação dos profissionais.
E-FENAJ – Muitas vezes por interesses políticos, econômicos e mesmo de relações trabalhistas, como o não cumprimento de obrigações legais, são os proprietários de veículos de comunicação e seus prepostos, que pressionam e ameaçam os jornalistas. O que as entidades sindicais poderiam fazer para ampliar a organização e o enfrentamento da categoria quanto a isso?
Carmen Silva – A censura entre as quatro paredes da redação acaba por inibir o jornalismo de qualidade, quadro agravado com as ocorrências de assédio moral e o desrespeito aos direitos trabalhistas. Mudar esta realidade é desafio que só pode ser superado com a consciência de classe e com a união dos profissionais. O papel dos sindicatos e das federações é fundamental para que isto ocorra, realizando ações que busquem a sensibilização da categoria e o envolvimento dela em uma luta coletiva, como a realização de eventos e campanhas de conscientização. Para que não prospere a “lei da selva” e do “salve-se quem puder”, o jornalista tem que ser menos individualista e tomar consciência de que é também sua tarefa defender sua profissão. As entidades precisam do apoio dos profissionais para que sejam fortes. E o fortalecimento da categoria é tarefa de cada um, dentro e fora do seu local de trabalho. Só desta forma poderemos ter condições de lutar contra a pressão dos poderes econômico e político.
E-FENAJ – Como está se dando a pesquisa da FENAJ sobre Liberdade de _mprensa e Direitos Humanos? Quando serão conhecidos seus resultados e o que a FENAJ pretende fazer a partir daí?
Carmen Silva – A pesquisa foi iniciada em 1º de junho deste ano, dia do lançamento da Campanha. Atualmente a FENAJ e os Sindicatos estão coletando os dados junto aos profissionais, através de questionários que devem ser devolvidos até o dia 15 de agosto. É importante ressaltar que a identificação do entrevistado é opcional e que o sigilo da fonte será preservado. Após a coleta, as informações serão tabuladas para elaboração do relatório. A previsão é que até outubro os resultados sejam divulgados. Além da denúncia dos casos de violência, o relatório servirá de base para o aprofundamento da política de defesa do profissional e do jornalismo de qualidade. Partiremos da análise da realidade da nossa profissão para apontar ações que busquem verdadeiramente a defesa da liberdade de imprensa no Brasil.
E-FENAJ – Na atual crise política brasileira, se por um lado os meios de comunicação cumprem um importante papel para que as investigações e apurações avancem, por outro são questionados pelo excesso de “denuncismo”. O caso que gerou mais polêmica recentemente foi a cobertura do Jornal Nacional ao cruzamento de dados divulgados pelo Deputado Rodrigo Maia (PFL/RJ), envolvendo funcionários de nove deputados federais.
Isto reascendeu um velho debate: existe limite para a liberdade de imprensa?
Carmen Silva – Acredito que o jornalismo de qualidade só se constrói se for exercido com ética, responsabilidade e profissionalismo. Estes são os “limites” à liberdade de imprensa. Nunca são demais as velhas lições do bom jornalismo: juntar provas, checar informações, ouvir todos os envolvidos e divulgar o que realmente foi apurado. O que se observa no Brasil, muitas vezes, é que os donos da mídia se valem do princípio da liberdade de imprensa para divulgar matérias tendenciosas que satisfaçam seus interesses econômicos e políticos.
E-FENAJ – No Seminário de Comunicação e Política realizado há poucos dias na Bahia, Bob Fernandes, da Carta Capital, sugeriu ironicamente a criação de uma CPI para investigar o comportamento da imprensa no cenário político atual. Seria este o melhor caminho? Ou é o caso de intensificar-se a luta pela criação do CFJ?
Carmen Silva – A questão é qual instrumento se utiliza e quem são os atores que vão manuseá-lo. Justamente alguns dos parlamentares acusados de corrupção e interessados em calar a imprensa? Falando sério, deve-se ter muito cuidado com algumas “soluções” que são apontadas para coibir os abusos, porque não podemos mais deixar que a censura volte a fazer parte de nossa realidade. Acredito que os caminhos seriam a democratização da comunicação, que reduziria grande parte do poder dos donos da mídia, e a criação do Conselho Federal dos Jornalistas, que deixaria nas mãos da categoria a defesa da regulamentação da profissão e a aplicação do Código de Ética. Mas estas são lutas que requerem a união da categoria e o envolvimento da sociedade, para que se tenha força para enfrentar o boicote dos donos do capital, mais interessados em manter a mídia para uso pessoal e a nação sob controle. A liberdade de imprensa é um direito coletivo e deve ser colocada à servi_ccedil;o de toda a sociedade.
E-FENAJ – Obrigado pela atenção Carmen. Os próximos convidados do Entrevistas da FENAJ são os jornalistas e professores Gerson Martins, presidente do Fórum Nacional dos Professores de Jornalismo e Elias Machado, presidente da Sociedade Brasileira dos Pesquisadores em Jornalismo. Eles vão falar sobre o ensino de jornalismo no Brasil e a proposta de reforma universitária do governo federal. Os interessados em participar devem encaminhar suas questões paraboletim@fenaj.org.br até as 18 horas do dia 9 de agosto.