As prioridades do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e as perspectivas para o próximo período são os focos desta coletiva com o coordenador do Fórum e Secretário Geral da FENAJ, Celso Schröder. Ele defende que a dimensão pública da comunicação tem que ser valorizada e debatida. Crítico à orientação do governo federal para o setor, ele é taxativo: “não imagino que Lula, com a aprovação que teve, precise se manter nesta incômoda posição de emparedamento perpétuo construído por parte da mídia hegemônica. Ele precisa escolher quem governará o país”.
E-FENAJ – Mário Augusto Jakobskind, do Rio de Janeiro, encaminhou um conjunto de perguntas. Vamos a elas. O que achou das críticas do Presidente Lula feitas na Venezuela à imprensa brasileira, mais precisamente à mídia conservadora? Você acha possível reverter esse quadro e não apenas constatá-lo? Como a diretoria da FENAJ analisa a questão das verbas públicas na área da mídia? É justo o governo Lula manter o mesmo tipo de distribuição das verbas publicitárias como rotineiramente tem acontecido há muitos anos? Porque não distribuir as verbas publicitárias do governo de forma equânime, contemplando também a imprensa alternativa e as mídias eletrônicas comunitárias? De que forma a FENAJ pode participar ativamente a luta pela democratização da mídia, uma luta que é do povo brasileiro?
Celso Schröder – É alentador ver o Presidente Lula verbalizar aquilo que a sociedade brasileira conhece há muitos anos e que nestas eleições chegou a níveis insuportáveis de manipulação e utilização privada deste bem público que é a informação. Esperemos que a manifestação do Presidente Lula se concretize em políticas que, finalmente, atribuam à atividade de comunicação a dimensão pública que esta deve ter. Além disso, desta vez o programa de governo trouxe alguma referência à questão da democratização da comunicação que, esperemos, ajude a reestruturar o sistema de comunicação brasileiro, que é um dos mais verticalizados, desregulamentados e concentrados do mundo. Se o governo quer deixar de ser refém de um segmento que acumulou um poder ilegítimo e absurdo, precisa imediatamente construir um espaço público nacional que traga ao debate a mídia e seu papel social. É fundamental que a sociedade brasileira finalmente tome conhecimento do significado que a mídia nacional assumiu ao longo do período autoritário e deste início de democratização.
Não só é possível a democratização desta mídia como é urgente que aconteça. Um novo marco regulatório, o controle público sobre o sistema e a reorganização destes meios são alguns objetivos a serem buscados por qualquer governo que se pretenda democrático. A distribuição eqüitativa das verbas publicitárias públicas é uma das formas de construir esta democratização. Estas verbas foram, ao longo da história recente, sempre usadas como moeda de barganha entre uma mídia que regularmente usava seu poder de crítica como arma de pressão para aumentar suas fatias da receita pública e os governos que as utilizavam como forma de constituir governabilidade. Logo, usar de maneira equânime estes recursos é uma forma de ajudar a consolidar uma mídia mais plural e independente. No entanto não é possível confundir verbas publicitárias, que devem ser usadas com critérios absolutamente editoriais de audiência e circulação, com políticas públicas de sustentação do segmento público e estatal ou ainda de áreas que são socialmente relevantes.
A FENAJ é pioneira na luta pela democratização. Participou ativamente da disputa que se estabeleceu na Assembléia Constituinte em torno do Capítulo da Comunicação. Após este embate, identificando a força deste segmento empresarial e a dimensão que a comunicação já alcançava naquela ocasião, ajudou a criar o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, FNDC. Esta entidade, liderada por muitos anos pelo seu principal idealizador, o jornalista Daniel Herz, se transformou numa referência nacional para este debate. Formulando políticas e organizando o movimento social, o FNDC participou de todos os grandes debates sobre comunicação nas últimas décadas, ajudando a constituir, entre outras atividades, a chamada Lei do Cabo, que instituiu a obrigatoriedade das concessionárias do serviço de TV a cabo de transportarem os canais públicos e comunitários. Atualmente, depois de atuar decisivamente no debate sobre TV Digital, o FNDC e a FENAJ apostam numa Conferência Nacional de Comunicação que consiga envolver a sociedade brasileira para a necessária regulação do sistema de comunicação brasileiro.
E-FENAJ – Marco Antônio Mucci da Silva, que estuda Jornalismo em Belo Horizonte, questiona como fica a vida da TV com a convergência das mídias de comunicação e telecomunicação? Ele acredita que a televisão é um dos únicos meios que não vão ter muito a ganhar com a convergência. Está certo ou errado? Ele pergunta, também, se a TV digital vai propiciar a inclusão social. Será que a grande massa terá condições de adquirir essa tecnologia?
Celso Schröder – No começo do governo Lula, houve uma iniciativa importante, a criação do Sistema Brasileiro de TV Digital, SBTVD, que modificou os rumos com que o tema estava sendo tratado no governo anterior. O sistema foi constituído de três comitês que deveriam representar governo e sociedade. O Comitê Consultivo era o local em que sociedade civil, representada entre outras, pela FENAJ e FNDC, deveria ter produzido os consensos possíveis e explicitado publicamente as diferenças. O FNDC e a FENAJ tentaram deslocar o enfoque que empresários de comunicação e, em certa maneira, o governo davam, privilegiando os aspectos técnicos aos de conteúdo. Até a metade do ano passado, estas entidades conseguiram implementar uma rotina que obrigava o governo e as empresas a compartilhar minimamente decisões e informações.
Com a posse do ministro Hélio Costa esta situação se modifica drasticamente e o ministério sabota completamente estes espaços e elege as empresas como interlocutores privilegiados. Disso resultou uma escolha pautada desde o governo FHC pelas empresas, que é o chamado padrão japonês. Este padrão nada mais é do que um sistema fechado, centrado na alta definição das imagens e que tem como único objetivo a manutenção do negócio pelas empresas de radiodifusão, na medida que impede que entrem outros players na atividade. De roldão a interatividade será muito limitada e os serviços de multi-serviços e multi-canais não existirão. Ou seja, a convergência escolhida foi a menor à disposição, de tal maneira a evitar que as empresas de telecomunicações entrem no negócio.
No nosso entendimento, a escolha foi desastrada porque em primeiro lugar só levou em conta os interesses de um dos agentes sociais que pleiteiam participar do negócio. Depois porque foi pautada pela lógica tecnicista. Ainda não serve ao Brasil porque deixou de lado a reflexão sobre o que representa a base industrial da digitalização para o futuro da indústria brasileira como um todo. Finalmente a medida, ao manter o negócio dos radiodifusores, abriu mão de reordenar o sistema de comunicação brasileiro, um dos mais concentrados, como já foi dito. A digitalização, se pautada por uma agenda pública, poderia ter se transformado num importante agente de inclusão.
E-FENAJ – A presidente do Sindjorce e diretora executiva da CUT-CE, Déborah Lima, conta que tramita na Câmara Municipal de Fortaleza um projeto de lei que prevê a municipalização da concessão das rádios comunitárias. Ela é simpática ao projeto, mas tem preocupações sobre a constitucionalidade da matéria, uma vez que a competência é federal, e sobre a possibilidade de a lei dar super poderes a futuros prefeitos que poderiam fazer uso político dessas concessões. Considera que hoje essa preocupação não existe, já que a prefeita de Fortaleza, Luizianne Lins (PT) é uma jornalista comprometida com os trabalhadores e com a luta pela democratização da comunicação. Mas Déborah tem preocupações quanto ao futuro. Há como estabelecer mecanismos efetivos de prevenção ao uso político das rádios comunitárias pelos prefeitos de plantão?
Celso Schröder – O FNDC e a FENAJ não têm posição fechada sobre a municipalização ou não da concessão das rádios comunitárias. O que tem que se levar em conta é exatamente o que preocupa a Débora. Parece prematuro imaginar que o frágil sistema legal brasileiro, constantemente submetido às pressões corporativas e patrimonialistas, possa ser efiiciente se não tiver uma centralização federativa, principalmente no que diz respeito à comunicação. O problema do coronelismo eletrônico, já exaustivamente demonstrado pelo instituto de pesquisa em comunicação EPCOM, precisa ser encarado para qualquer formulação de legislação que postule fiscalização e concessão não centralizada. O problema não são os bons políticos, mas sim o uso que os maus políticos poderiam fazer desta possibilidade. De qualquer maneira este debate está sendo feito e exigirá, caso se opte pela municipalização, uma profunda modificação legal, inclusive da Constituição.
E-FENAJ – Patrícia Mendes, de Brasília, pergunta como você analisa a atuação do Conselho de Comunicação Social e como vê a forma como ele está estruturado?
Celso Schröder – O CCS foi uma das poucas vitórias que a sociedade teve na área da comunicação durante o processo constituinte. Levou mais de onze anos para ser implementado a partir de uma oposição velada que lhe faziam as empresas de comunicação. Resultado quase exclusivo do esforço de Daniel Herz, mais uma vez, ele se mostrou extremamente importante durante a sua primeira gestão sob o comando do jurista José Paulo Cavalcantti. Debateu e investigou a TV digital e contribuiu decisivamente para a criação do SBTVD. Publicou um diagnóstico inédito sobre a concentração da mídia no Brasil, aprovado por unanimidade em plenária e indicou para o Congresso Nacional o projeto de lei sobre a regionalização da cultura. No entanto, na atual gestão a lógica do CCS ser um espaço de negociação e formulação de opinião que servisse aos deputados e senadores para formularem suas políticas, foi quebrada. O espaço de cinco membros mais seus suplentes reservado para a sociedade civil foi ocupado quase na sua totalidade por representantes dos radiodifusores. Isso desencadeou uma lógica de patrolagem por parte desta maioria também na presidência e vice do Conselho. Esta prática se mostrou um desastre, inclusive para os interesses dos radiodifusores, que cada vez mais se sentem ameaçados pelas poderosas teles e cada vez mais precisam de espaços para defender seus interesses. De maneira que o Conselho termina seu mandato demonstrando a todos que a melhor composição para o seu funcionamento é aquela que consta na lei que o criou, quatro membros do ramo do trabalho em comunicação, quatro membros do setor empresarial e cinco da sociedade civil. Sabotar isto é sabotar o Conselho e matar o único espaço público de debate em comunicação no país.
E-FENAJ – Ludmilla Duarte Santana e Souza, da Bahia, diz que no debate da Globo antes do segundo turno, o jornalista Bob Fernandes cobrou de Lula medidas para democratização da comunicação. Ela quer saber quais seriam, na sua opinião, as medidas que o Governo Federal teria que tomar para democratizar o acesso à comunicação no país?
Celso Schröder – A pergunta do Bob Fernandes permitiu que o candidato Lula retomasse a retórica da democratização da comunicação a partir da TV Digital. Parece que ele acredita nisso mesmo, provavelmente provocado pela escandalosa cobertura que alguns veículos fizeram da eleição. Lula falou pela primeira vez em propriedade cruzada, em mídia cartorial, referindo-se às estruturas familiares destas empresas, e em necessidade da sociedade debater isto. Neste momento, para inclusive evitar que mais uma vez seja chamado de autoritário por querer regular a mídia, o governo traria uma contribuição histórica se possibilitasse o debate nacional. Uma Conferência pode ser o melhor ambiente para isto, quando, então, todos nós poderíamos escolher as medidas que acharmos necessárias. Só a idéia de que a democratização da comunicação é necessária já é uma vitória para aqueles que vêm lutando há décadas pela reorganização do sistema.
E-FENAJ – Rick Lobato, do Amapá, questiona como acreditar na democratização da comunicação no Brasil, se a “ministra das Comunicações” é uma “política” que possui, juntamente com sua família, um império de veículos de comunicação, e que durante o período eleitoral, juntamente com seu “pai-mentor” perseguiu, com processos por “direitos de respostas”, vários jornalistas pelo país? Ao que parece ele já está dando como favas contadas que Hélio Costa não permanecerá no Ministério.
Celso Schröder – Apesar do Ministro das Comunicações (ou ministra) ainda não estar escolhido, realmente temos que nos preocupar com a história brasileira, inclusive neste governo que termina, de rifar o Ministério das Comunicações, transformando-o num balcão de negócios, fraco e inoperante no que diz respeito às políticas do setor. A ocupação desta pasta por lobistas da radiodifusão teve em Hélio Costa a sua expressão mais recente e emblemática. A família Sarney tem uma história de negócios nesta área e com a Globo, logo a sua escolha se, infelizmente lógica, se confirmar, produziria o que de pior é possível oferecer à democracia.
E-FENAJ – Agora vamos a algumas perguntas encaminhadas por diretores da FENAJ. O Fred Ghedini, que está no exterior e licenciado da vice-presidência da FENAJ por quase 9 meses, pergunta como o FNDC pensa que devem ser as Conferências Nacionais de Comunicação e quais os próximos passos para sua concretização?
Celso Schröder – O FNDC tirou na plenária de Florianópolis a indicação desta Conferência. Mais do que já ter um formato pronto para oferecer à sociedade, o FNDC prefere articular com a sociedade de maneira geral e com os movimento que lutam pela democratização da comunicação em particular, para formatar este espaço que deve ter uma dimensão nacional e por isto deve ser cuidadosamente articulado regionalmente. Por isto o FNDC, sem se propor a liderar qualquer movimento, desencadeará contatos a partir de um documento que será ampliado e modificado na medida da adesão à idéia. Depois buscará o governo para quem apresentará as sugestões. E espera a participação do executivo, na medida que esta conferência deverá apontar políticas concretas de comunicação, mas não se submeterá ao silêncio ou à imobilidade.
E-FENAJ – Sérgio Murillo, presidente da FENAJ, pergunta: você acredita que no próximo mandato do governo Lula haverá alteração substancial na relação que desenvolve com os meios de comunicação? Será que ele vai finalmente produzir política pública nessa área?
Celso Schröder –Os indícios são melhores do que no início do seu primeiro governo. Não podemos esquecer que o programa daquele período não trazia nada sobre comunicação. Desta vez é diferente, embora reduzidas a algumas linhas, existem indicações sobre a necessidade de democratizar a comunicação. A resposta de Lula a Bob Fernandes pode ser um indicativo de algum alento. Além disso, não imagino que Lula, com a aprovação que teve, precise se manter nesta incômoda posição de emparedamento perpétuo construído por parte da mídia hegemônica. Ele precisa escolher quem governará o país.
E-FENAJ – E para finalizar, a diretora de Relações Institucionais da FENAJ, Valci Zuculoto, encaminhou três perguntas? Diante deste cenário de conflito entre mídia e governo, é possível propor mecanismos de controle público da mídia, sem alimentar o discurso patronal de censura e agressão à liberdade de imprensa? Qual a estratégia em relação à digitalização da TV e do rádio. O que é possível fazer considerando que o governo já aprovou o modelo imposto pelos radiodifusores? Quais os principais desafios da coordenação do FNDC para os próximos dois anos?
Celso Schröder – A radicalização do discurso da mídia é exatamente para inibir qualquer iniciativa de incidência do social sobre a sua atividade, reduzida no Brasil à sua forma mais primitiva e particular. Este é o indicativo mais visível que não é possível abandonar este campo de luta. O papel dos meios de comunicação no Brasil já passou há muito do que é suportável para uma democracia, de conviver com uma vontade política da dimensão que a mídia tem hoje, sem nenhum mecanismo de controle. E quando se fala em controle público, não se fala, como está no programa do FNDC, de um local ou de um agente de controle, mas sim de um sistema, de uma rede de fiscalização de tal maneira a nunca se configurar em censura. Aliás, censura é quando uma vontade particular, do dono ou do estado, se impõe como se fosse uma verdade.
Quanto à digitalização, embora boa parte das decisões já tenham sido desastradamente tomadas, achamos que ainda temos um luta importante na regulamentação deste novo serviço, quando então tentaremos enquadrar o modelo adotado naquilo que o próprio presidente Lula indicou, quando no seu primeiro decreto criava o SBTVD. Por isso a tarefa dos que lutam pela democratização da comunicação, em particular o FNDC e a FENAJ, é envolver a sociedade neste debate para tentar dar a dimensão do que se está definindo neste momento. A Conferência de Comunicação será um momento importante para isto. O FNDC decidiu eleger como a sua mais importante bandeira de luta para o próximo ano.
E-FENAJ – Obrigado por sua participação Schröder. O próximo convidado da coletiva da FENAJ é o advogado João Piza. Ele falará sobre o embate jurídico sobre a exigência do diploma de curso superior para o exercício do Jornalismo. Para participar, encaminhe perguntas para boletim@fenaj.org.br até as 18 horas do dia 5 de dezembro, especificando, na linha de assunto, “Entrevistas da FENAJ”. A coletiva será disponibilizada no site da Federação no dia 8.