É uma irresponsabilidade defender o exercício do Jornalismo sem qualificação

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foto_sergioPor que o ensino e exercício do Jornalismo vêm sendo tão atacados atualmente? Como as entidades do campo do Jornalismo estão se preparando para enfrentar esta situação? Como vem se dando a resposta da categoria a este processo de desvalorização da profissão? Quem responde a estas e outras questões é o Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Sérgio Murillo de Andrade. Com destacada atuação no movimento sindical e lutas da categoria, ele já foi Presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina por duas vezes e exerceu outras funções na direção da FENAJ.
Sérgio Murillo participa do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação. Com 21 anos de experiência profissional, ele já trabalhou no Diário Catarinense e Gazeta Mercantil, foi correspondente do Diário do Sul e atuou como free-lancer de diversas publicações nacionais. Foi, também, assessor de imprensa no serviço público e empresarial. Hoje é professor do curso de Jornalismo do Ielusc (Joinville/SC), onde é supervisor do programa de estágio da Faculdade.E-FENAJ – Nos últimos anos os ataques àregulamentação profissional e formação específica dos jornalistas vem crescendo. É a tentativa de derrubar a exigência do diploma, que não é nova, mas ganhou reforço com a decisão da juíza Carla Rister em 2001, a rejeição do projeto do CFJ no Congresso no ano passado e, mais recentemente, a proposta da Comissão Capes/CNPq de reduzir o Jornalismo de subárea para especialidade dentro da área de conhecimento da Educação. A que se deve tudo isso?Sérgio Murillo – Pode acrescentar a essa lista o processo de precarização das relações de trabalho, impulsionado pelas empresas nos últimos anos e a decisão autoritária do Conselho Federal de Relações Públicas que constrange os jornalistas que trabalham em assessoria de imprensa. Duvido que exista no Brasil uma profissão tão atacada em diversas frentes. Credito essa campanha especialmente ao papel questionador das estruturas de poder desempenhado historicamente pela maioria dos jornalistas brasileiros e por suas entidades representativas. Há um esforço sistemático das grandes empresas de mídia para acabar com nossa regulamentação e interromper o processo de construção da identidade da nossa profissão.E-FENAJ – A Federação e os Sindicatos de Jornalistas posicionam-se por manter a luta pelo CFJ. Como pretendem prosseguir nesta empreitada e o que farão concretamente?

Sérgio Murillo – Precisamos reconstituir as bases de apoio na categoria, no parlamento e na sociedade. Precisamos também reverter a oposição de diversos adversários. Avaliamos que é necessário, nesse momento, constituir potência e preparar-se para uma nova batalha contra os interesses que se opõem àdemocratização da comunicação no Brasil.

E-FENAJ – Quanto à Tabela das Áreas de Conhecimento (TAC), as entidades do campo do Jornalismo têm audiência com o Vice-presidente do CNPq na próxima terça-feira (25/10). Há expectativa de reversão da proposta imediatamente? Caso ela seja mantida, o que as entidades pretendem fazer?

Sérgio Murillo – Não vamos nos submeter aos interesses particulares de alguns que têm acesso facilitado e controlam áreas da burocracia estatal. Jornalistas, professores e pesquisadores tiveram sua proposta, elaborada inclusive em consenso com outros segmentos da área da comunicação, completamente ignorada na reestruturação da Tabela. Acho bastante positivo que o CNPq tenha proposto a abertura do diálogo e negociação. Confio na capacidade de mobilização da FENAJ, FNPJ – Fórum Nacional de Professores de Jornalismo, SBPJor- Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo e espero que haja bom senso por parte das autoridades do MEC.

E-FENAJ – Outra questão que tem provocado muito descontentamento na categoria é a pressão dos empresários de comunicação pela “pejotização” dos jornalistas. Além do trabalho conjunto com o Ministério Público do Trabalho para fiscalizar as irregularidades, o que mais a FENAJ e os Sindicatos pretendem fazer?

Sérgio Murillo – Neste momento temos o Sindicato de São Paulo processando seis empresas e uma decisão importante contra o JB em Brasília A parceria do Ministério Público – resultado de trabalho permanente da FENAJ – é estratégica para reverter o atual quadro de descalabro e desrespeito por parte de algumas empresas. Mas o mais importante é conscientizar e mobilizar a categoria contra toda forma de fraude ou flexibilização dos direitos trabalhistas.

E-FENAJ – Bem vamos agora ao que “está pegando mais” neste momento, a questão do diploma e a votação do recurso da FENAJ e SJSP no dia 26. O Luiz Fernando Fonteque, estudante de Jornalismo de Goiânia e assíduo participante de nossa coletiva virtual, questiona por que não se vê na mídia divulgação dos protestos a favor da obrigatoriedade do diploma de jornalista e por que as entidades da categoria não utilizam a mídia para fortalecer suas lutas?

Sérgio Murillo – Luiz, parabéns pela sua participação. Tomando emprestado o verso do Chico: A dor da gente não sai no jornal. A hipocrisia das empresas é muito grande. O mesmo patrão que faz discurso sobre o papel da imprensa e o compromisso com a comunidade e a democracia impede qualquer divulgação de reivindicações e mobilizações dos jornalistas. Não me refiro apenas às lutas salariais ou em defesa da regulamentação. A Folha de São Paulo, por exemplo, fez domingo uma matéria de meia página sobre os 30 anos da morte do Vlado. Divulga a extensa programação, quase toda organizada pelo Sindicato de SP, e nem uma linha sobre a solenidade de entrega do prêmio Vladimir Herzog. É o que sempre falamos: no Brasil não existe liberdade de imprensa e sim de empresa. Há uma legião de excluídos do processo de comunicação que é controlado por uma mídia dominada por poucas empresas familiares, elites políticas e grupos religiosos. Por isso, a urgência de ampliar a luta pela democratização da comunicação.

E-FENAJ – Ao que parece, a convocação da FENAJ para o “Outubro Vermelho” sensibilizou a categoria. Pelo menos todos os Sindicatos de Jornalistas estão desenvolvendo esforços de mobilização para o dia da votação no TRF da 3ª Região. A Katherine Funke, de Salvador (BA), pergunta como as redações do país têm se posicionado sobre o diploma? Alguma delas chegou a fazer um manifesto próprio a respeito do tema? Você considera que a mobilização das redações foi intensa? E, na carona das perguntas da Katherine, pode-se esperar um ato público massivo no dia 26? Algo especial está sendo preparado? E se a decisão dos juízes não for a derrubada do registro de precário, o que fazer?

Sérgio Murillo – Acredito que nossa mobilização vai aumentar porque os Sindicatos ainda estão passando nos principais locais de trabalho. Katherine, toda manifestação é muito bem-vinda. No Ceará, por exemplo, as redações e assessorias serão tomadas por balões vermelhos no dia do julgamento.Tenho certeza que teremos centenas de jornalistas, professores e estudantes de Jornalismo na frente do Tribunal. Vamos ter em São Paulo representantes de quase todos os Sindicatos filiados à FENAJ. Além disso, haverá atividades e mobilizações organizadas pelos Sindicatos e Faculdades de Jornalismo. Vamos mostrar força e organização. Independentemente do resultado, sabemos que vamos continuar na luta. Não é o fim da guerra, mas uma batalha muito importante.

E-FENAJ – Elaine Sampaio considera que, se derrubada a possibilidade de registro de jornalista precário, muitos dos que estão nesta condição ficarão irregulares. Ela comenta que muitos já trabalham há muito tempo no Jornalismo e não tiveram oportunidade de freqüentar uma universidade. E pergunta: quem luta para derrubar o registro dos precários não pensa na demissão em massa que poderá haver com essa derrubada? Esses profissionais que realmente trabalham na área, se
comprovado, não poderiam continuar trabalhando? Ela acha que são poucos os que realmente estão na área, e prossegue questionando: não será uma injustiça com esses profissionais que muitas vezes são até mais éticos e responsáveis que muitos que freqüentaram uma faculdade? Não é possível adotar um critério para que essas pessoas já atuantes provem sua capacidade e seu profissionalismo?

Sérgio Murillo – Não haverá “demissão em massa” porque a imensa maioria das pessoas que obtiveram o registro precário de jornalista nestes quatro anos, jamais colocou o pé em uma redação. Nossa luta não é contra pessoas que irregularmente exercem a profissão. Nossa luta é contra patrões que insistem em promover o desrespeito aos direitos trabalhistas e à regulamentação profissional. Jornalismo é uma atividade humana extremamente complexa e essencial para o funcionamento da sociedade. É, no mínimo, uma irresponsabilidade defender o seu exercício sem qualificação. Jornalismo é uma forma social de conhecimento com teoria, técnica e ética específicas. Isso não é adquirido na rua, muito menos no mercado.

E-FENAJ – Obrigado Sérgio Murillo. A próxima edição de nossa coletiva virtual será com o advogado João Piza, que representa a FENAJ e o SJSP na ação sobre a obrigatoriedade do diploma em Curso Superior de Jornalismo para o exercício profissional. Para participar, encaminhe perguntas até as 18 horas do dia ºde novembro para boletim@fenaj.org.br, especificando, na linha de assunto, “Entrevistas da FENAJ”.