* Michel Mendonça Ribeiro
Estava eu no I Simpósio de Direitos Humanos e Fundamentais que ocorreu no Auditório Jorge Amado da UESC, numa tarde de quarta no mês de maio, quando ouvi o professor Mário Lúcio Quintão, da PUC de Minas, se referir ao Supremo Tribunal Federal como sendo um verdadeiro “Oráculo de Delfos”.
A respeito, pensei… pensei… pensei… escrevi:
Superior Oráculo Brasileiro de Delfos
Apreciador de questões fundamentais
Sacerdotes e ninfas pensam decisões mandamentais
Com supedâneo em transes verdadeiros
Prolatam profeticamente por derradeiro
Cantam o desafino do real em liras apocalípticas
Ao ritmo de cordas apolíticas (de Apolo mesmo)
O Oráculo de Delfos era um templo localizado na cidade de mesmo nome, no centro religioso da Grécia Antiga. Ele era muito procurado pelas pessoas, incluindo generais e grandes guerreiros, que recebiam profecias, visões do futuro, conselhos e orientações dadas por sacerdotisas que se baseavam em transes provocados por gases emitidos por uma fenda subterrânea no local e representavam o Deus Apolo (patrono do Oráculo e Deus dos adivinhos e profetas que é comumente visto em esculturas com uma lira em mãos e uma coroa de louros).
O Supremo Tribunal Federal é realmente um oráculo situado no Brasil. Lá se colocam questões e conflitos da maior importância à apreciação de quase deuses, sacerdotes e ninfas que – algumas vezes baseados em verdadeiros transes e êxtases sobrenaturais – prolatam sentenças proféticas, sem nexo e consideradas verdades absolutas, em nome do Deus Apolo (o povo). E tais sentenças são cantadas ao som e ritmo do desafino de uma lira tocando uma composição imperfeita.
Talvez fosse coerente escutar o saudoso semideus Hércules Barbosa que disse ao todo poderoso Zeus Mendes: “Saia às ruas!”, isto é, desça do Monte Olimpo.
Afinal de contas, como diria o poeta, “aqui embaixo as leis são diferentes”.
Muitas das decisões da instância máxima do Poder Judiciário brasileiro se assemelham a transes de grandes sábios que mal se dão conta do que acontece por detrás das paredes de um salão de audiências. Contudo, as questões discutidas no STF não dependem puramente da atividade contemplativa, devem ser pragmaticamente tratadas, buscando-se soluções efetivas aos problemas postos.
De fato, o STF tem introduzido avanços à questões políticas, sociais e jurídicas.
Mas, para que este tribunal seja mais creditado e faça o povo brasileiro pensar que os acordes das desgraças e desigualdades sociais estão se afinando com as sentenças que proferem, compondo uma melodia perfeita e intitulada democracia, seus integrantes ainda terão que evoluir muito espiritualmente até que os seus transes sejam considerados divinos.
O mais recente transe ocorreu no dia 17 de junho. Nessa data, o presidente do nosso Oráculo, Gilmar Mendes, suspendeu a exigência do diploma do curso superior de jornalismo para se exercer a profissão.
Em relação à decisão digo: “ela é puro êxtase!”
Verdadeiro transe! O arrebatamento espiritual que se supõe ter abatido o querido Gilmar deve ter sido severo. Senti um profundo temor. Primeiro, em razão das dúvidas que me surgiram a respeito das conseqüências dessa concessão. Em segundo, porque a decisão do referido ministro abre precedentes perigosíssimos. Por fim, de que esse arrebatamento também venha a me acometer um dia.
Explico!
A derrubada da obrigatoriedade do diploma de jornalista causará uma desregulamentação profunda da profissão. Por exemplo, caso seja lançado um edital de concurso público para jornalistas, quem poderá se inscrever? Penso que qualquer um poderá se dizer jornalista por aí. Ou será que irão estabelecer um teto mínimo de notícias editadas, matérias publicadas ou trabalhos realizados para alguém se auto-intitular jornalista? Duvido muito.
A mídia possui um papel fundamental na sociedade, sobretudo numa civilização carente de maturação política como a nossa. Não se elegem representantes no Brasil por propostas, plataforma política ou ideologia partidária. O povo é praticamente aliciado por rádios, jornais, impressos, etc. e quase coagido a eleger o candidato mais “legal”. Nada bonito, e a mídia tem papel fundamental sobre isso. Agora imaginemos o que já se vê somado a um número exorbitante de novos jornalistas não diplomados. Acredito que um jornalista deve ter consciência ética e moral do seu trabalho e do poder de influência que exerce sobre a sociedade, buscando utilizar todo o seu talento para promover o bem, assumir um compromisso com a verdade e levar a informação ao povo de maneira correta.
É certo que valores não se aprendem nas universidades e faculdades, mas lá o contato com as diferenças e as noções de interdisciplinaridade no processo do conhecimento, ao menos o que se imagina, humaniza o profissional e o torna mais sensível aos problemas do mundo. Filosofia, Sociologia, História do Jornalismo, História Social, Cultura, Metodologia da Pesquisa, Estatística, Psicologia, Política e Poder e Antropologia são exemplos de disciplinas auxiliares que devem ser ensinadas a qualquer jornalista para que exerça o ofício magistralmente e não de modo meramente mecânico ou robótico.
Reconheço o trabalho fantástico de muitos que podem se dizer verdadeiramente Jornalistas, apesar de não possuírem diploma. Mas, esses são exceções e com certeza não devem estar enfrentando grandes problemas profissionais, pois são competentes e certamente estão empregados. Mas, a meu ver, a regra será a de que um blogueiro ou um moderador de site sem caráter, infeliz e irresponsável irá se intitular jornalista profissional e se tornará peça essencial à atividade midiática com poder de autoridade sobre a informação. Meu Deus…
A mídia hoje já é desacreditada por boa parte da população, ainda mais agora que não saberemos quem escreveu e porque escreveu determinada matéria.
No Brasil, a rede de conchavos que se instaura no processo de concessão de licitação e licença para muitas rádios já é inescrupulosa e muitas freqüências sintonizam em função de interesses políticos e funcionam para defender o que de interesse para as elites locais. Isso é muito ruim, mas tudo pode piorar!
Além do mais, a decisão de Gilmar Mendes é um grande e perigoso precedente que pode gerar prejuízos tremendos. Senão vejamos!
Por que exigir nível superior para ser Policial Federal ou Civil? Para ser Policial precisa de formação acadêmica e de diploma? Por que não se permite que qualquer pessoa vá até o fórum e exerça a profissão de Advogado? Para que serve a prova da OAB? É certo extingui-la e permitir que juízes sem bacharelado em Direito sejam togados só porque conhecem a legislação? Basta conhecer leis e teoria jurídica para se tornar profissional do Direito? E basta escrever notícias e falar nas rádios para se dizer Jornalista? Qualquer um que pega num bisturi e põe um estetoscópio no pescoço é um Médico?
Indago-me às vezes. Já pensou se o STF diz que não é mais necessário ao Médico possuir diploma. Dona Maria, curandeira, mesmo que importante na comunidade dela, poderia ser Médica e abrir um consultório ali no Centro?
De repente iriam surgir cursos profissionalizantes para Jornalista, Advogado, Médico, Psicólogo… Vejam só!
Jornalista para mim não é quem escreve ou profere bonitos discursos nos rádios e nas TVs. Jornalista é aquele profissional competente, íntegro e autêntico que se compromete seriamente, seja no ramo da moda, do esporte, da política, enfim. Bem como penso que o Advogado que se presta ao ridículo papel de subornar um escrivão não é um advogado, é um crápula que só contribui para macular a classe.
Posso dizer que existem “jornalistas” não Jornalistas e não Jornalistas que são Jornalistas. Entende? Da mesma forma existem os rábulas, que muitas vezes são muito mais competentes do que qualquer Advogado que possua um diploma. Talvez melhor fosse se buscar meios de conceder o título de Jornalista apenas àqueles compromissados de fato com a notícia séria e o respeito ao cidadão, aí sim, independentemente de diploma. Mas aí diriam que isso é anti-democrático: “ou é pra todos ou é pra ninguém!”
A TV e o rádio são os principais meios de comunicação na sociedade atual. Afinal, todos nós sabemos a senha da Insinuante e muitos já foram ouvintes do programa Alerta Geral de Ilhéus – muito bom por sinal. Não poderíamos correr o risco de estarmos à mercê de informações cada vez mais deturpadas e sem fundamentação. Mas estamos correndo.
Espero que muitos se cansem de correr e manifestem sua indignação em relação a tudo isso.
O STF deveria ter pegado mais leve e ter ido devagar ao invés de divagar.
Mas divagando, fez-se o que se fez e, enquanto estudante de Direito, tenho medo que esse espírito fantasmagórico que encosta nos profissionais da área e os fazem cometer erros assim um dia me agarre e faça ter esses transes apolíticos ou apocalípticos. Tenho medo também que mais tarde digam que não é mais necessário ser bacharel em Direito e ter sido aprovado na prova da OAB para ser Advogado.
Imaginem agora, ao final do texto, que eu pudesse me dizer jornalista por tê-lo publicado num site ou periódico, apenas por ele merecer o nosso respeito ou ser considerado extremamente sério. Imaginem mais! Imaginem que eu ingressasse em juízo exigindo direitos trabalhistas sob a alegação de estar prestando serviços profissionais ao moderador ou editor-chefe.
Nada certo, não é verdade?
* Amedrontado estudante de Direito da UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz – BA