Não precisamos de patrão

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toinho2O desafio de ocupar uma empresa falida, que não vinha honrando com seus compromissos, envolveu os trabalhadores do jornal Tribuna de Alagoas desde janeiro de 2007. Em julho, a recomendação brechtniana contida no “Elogio do Aprendizado”, de que “você tem que assumir o comando”, foi levada ao pé da letra. Jornalistas e gráficos criaram a Cooperativa Jorgraf, que vem editando, diariamente, o jornal “Tribuna Independente”.

Nesta edição da coletiva da FENAJ, o jornalista Antônio Pereira Filho, que foi repórter e editor do jornal Tribuna de Alagoas, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de Alagoas, ex-diretor da FENAJ e que atualmente preside a Jorgraf, fala sobre esta nova experiência cooperativista.

E-FENAJ – Para iniciarmos este bate-papo, situe-nos sobre como se deu o processo de ocupação do jornal Tribuna de Alagoas e em que pé está a situação quanto à garantia dos direitos trabalhistas dos profissionais da empresa?

Antônio Pereira – Primeiro, contamos com o apoio declarado de setores do movimento popular organizado, que vêem na nossa iniciativa uma alternativa aos dois veículos de comunicação impressa (um do Collor de Mello e outro do João Lyra). Esses setores organizados nos dão a retaguarda necessária para nos mantermos no local. Com relação à história da nossa luta, participamos de uma intensa mobilização, que teve início em janeiro deste ano, quando os trabalhadores resolveram ocupar todas as dependências da empresa, numa ação ousada, mas sem nenhuma violência ou confronto com a diretoria anterior. A história da Tribuna de Alagoas remonta a década de 70, quando o “velho” Teotônio Vilela (Menestrel das Alagoas) montou o jornal para se contrapor à ditadura e dar um ar de democracia na imprensa coronelizada do Estado. Com Teotônio Vilela sobreviveu alguns anos e depois fechou as portas. Na década de 90, Paulo César Farias, o PC Farias, numa ação ousada para a época resolveu reeditar o jornal. Para isso, conseguiu um empréstimo no Banco do Nordeste, em torno de R$ 5 milhões. Esse dinheiro foi usado para construir o atual prédio, comprar equipamentos, inclusive a rotatativa. Pois bem, com a morte de PC Farias, a família resolveu manter a idéia e continuou o projeto do jornal Tribuna de Alagoas. Alguns anos depois, desistiram da idéia e passaram, via arrendamento, para o grupo do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Alguns anos depois, Collor também desistiu, voltando o jornal para a família Farias, que por sua vez, arrendou para o grupo do ex-governador Ronaldo Lessa. Até a derrota de Lessa para o Senado na última eleição, exatamente para o ex-presidente Fernando Collor, o jornal conseguiu sobreviver, mesmo com atrasos de salários e de pagamento aos fornecedores. Quando foi em dezembro, com Ronaldo Lessa derrotado e fora do governo do Estado, veio a crise, que culminou com a ocupação e criação da Cooperativa dos Jornalistas e Gráficos do Estado de Alagoas (Jorgraf). Antes de criarmos a cooperativa estivemos com a direção do Banco do Nordeste, credor da dívida contraída pelo PC Farias em 1990. A direção do BNB aqui em Maceió se mostrou favorável à criação da Jorgraf, mas que iria continuar cobrando a dívida via judicial (processo que já tramita há mais de dez anos). Paralelo a isso, o BNB nos informou que a intenção do banco era de que os postos de trabalho continuassem existindo, portando viam com bons olhos a nossa iniciativa. Com relação às pendências trabalhistas da antiga diretoria (gestão Ronaldo Lessa) já ganhamos na primeira instância de todos os trabalhadores. Atualmente vamos para a segunda fase, onde a Justiça do Trabalho deve confirmar as decisões da primeira instância, ou seja, Ronaldo Lessa (atual secretário Executivo do Ministério do Trabalho) e o usineiro Bob Lyra (sobrinho de João Lyra) devem ser arrolados como responsáveis pela falência da empresa e conseqüentemente litesconsortes na ação de indenização trabalhista.

E-FENAJ – Osnaldo Moraes, diretor do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco e da FENAJ, acha instigante a experiência de Alagoas. Ele encaminhou algumas perguntas: Considerando que duas categorias com remunerações distintas estão reunidas, como será resolvida a questão da remuneração e da repartição dos resultados da Jorgraf? Em que condições ocorreu a absorção dos bens/imóveis/maquinários para que a Jorgraf pudesse existir e quando ela estará constituída formalmente? Via de regra, normalmente as empresas adquirem maquinários que superam suas necessidades de impressão e acabam tendo que buscar serviços para minimizar os custos de manutenção e otimizar o investimento. Como fica essa questão com a Jorgraf? Todos também participarão dos resultados de eventuais serviços de impressão?

Antônio Pereira – Caro Osnaldo, as cooperativas não têm fins lucrativos. Ou seja, de tudo o que é arrecadado retira-se os custos operacionais (no nosso caso papel, chapas, tintas, combustível, funcionários celetistas, energia, etc). Reserva-se 20% (previsto no Estatuto Social) para reinvestimento e reserva. O restante, se houver, é repartido proporcionalmente com os cooperados. Na nossa organização com jornalistas e gráficos, a composição da direção de Administração (um presidente, que é jornalista, um tesoureiro, que é gráfico e os outros quatro integrantes, sendo dois jornalistas e dois gráficos), é paritária. O rendimento de todos os cooperados é calculado mediante a produção individual, importância da função no processo de confecção do jornal, entre outros. Todos recebem de forma igualitária, mas equânime, proporcionalmente ao seu desempenho. Basicamente como em qualquer empresa, com a diferença que somos todos sócios. É possível, por exemplo, que tenhamos um rendimento mensal “xis” e, ao final do período contábil, outro rendimento, proporcional, de tudo o que foi arrecadado, descontando os custos. No caso de uma cooperativa, como não é possível acumulação de capital (lucro), o ano contábil é encerrado praticamente zerado, apenas ficando os 20% de reserva. Com relação aos equipamentos, tudo pertence, em última instância, ao Banco do Nordeste. Esperamos que, quando a ação judicial tiver fim (hoje não dá para dizer quanto tempo será), nós da Jorgraf tenhamos condições de arrecadar o espólio e continuar no prédio, usando os equipamentos. Esse é o nosso objetivo.

E-FENAJ – Paulo Roberto Simões, de Florianópolis, quer saber: ao editar a Tribuna Independente os trabalhadores, agora organizados na Jorgraf, estão conseguindo auferir salários e direitos equivalentes aos reivindicados ao jornal Tribuna de Alagoas?

Antônio Pereira – Prezado Roberto, a reposta é sim. Com uma ressalva: estamos apenas no primeiro mês de trabalho. Lutamos para restabelecer a periodicidade do jornal, que ficou parado durante vários meses. Estamos tendo uma excelente receptividade do setor de publicidade. Tanto é que nossos concorrentes diretos estão bastante preocupados com a nossa capacidade de crescimento. Somos atualmente a novidade do mercado jornalístico de Alagoas. Muitos dos antigos anunciantes estão voltando aos poucos. Estamos fazendo parcerias com inúmeras empresas e instituições, visando a sobrevivência financeira do empreendimento. Nossa perspectiva é que, nos próximos meses, os jornalistas e gráficos que trabalham na Tribuna Independente estejam recebendo mais em partilha (equivalente de remuneração no caso de cooperativa) do que se trabalhassem em outros veículos de comunicação do Estado. Esse é o nosso objetivo primeiro, pois só podemos ser considerados uma cooperativa de sucesso, se os cooperados tiverem maior rendimento do que na iniciativa privada normal.

E-FENAJ – Carlos Wittmann, do Paraná, pergunta quantas pessoas estão envolvidas com a Jorgraf, como a Cooperativa está sendo financiada e se seus resultados já garantem um ganho mínimo para os cooperados se manterem independentemente de outros empregos?

Antônio Pereira – É bom falar com você Carlos. Hoje contamos com 48 cooperados, entre jornalistas e gráficos. Como disse na resposta anterior, estamos na perspectiva (médio prazo) de garantir maior rendimento para os cooperados do que os que trabalham nos outros veículos de comunicação do Estado.

E-FENAJ – Ângela Marinho, de Fortaleza, quer saber qual a posição da FENAJ sobre a criação de cooperativas de jornalistas, como uma forma de organização dos profissionais para conquistar postos de trabalho? A Federação já tem alguma orientação neste sentido?

Antônio Pereira – Olá Ângela. Conversando com o Sérgio Murillo, presidente da FENAJ, quando ele esteve aqui e acompanhou o primeiro número do nosso jornal indo para as ruas, ele me disse que a entidade não tinha uma posição fechada sobre o assunto, mas que a Federação torce para que dê certo, ou seja, que os trabalhadores (jornalistas e gráficos) consigam garantir a sua dignidade enquanto profissionais (salários, garantias de empregabilidade, democracia interna, etc). Assim, no meu entendimento a FENAJ apóia a iniciativa como forma de demonstrarmos que podemos, sim, tomar conta do nosso destino enquanto trabalhadores da comunicação. Vamos mostrar para todo o país que NÃO PRECISAMOS DE PATRÃO para sobreviver. Nós sabemos fazer jornal. Nós podemos administrar. Nós podemos vencer.

E-FENAJ – Perguntas um pouco mais complexas vêm de Luiz Mendonça, que não identificou de onde é. Ele considera que o cooperativismo é um tipo de associativismo produtivo onde, em tese, como os meios de produção são propriedade coletiva, não existe a exploração da força de trabalho e extração de mais-valia. Ainda assim, diz, a Jorgraf está atuando nos marcos do capitalismo. Ele questiona: você vê perspectiva de sobrevivência duradoura da Jorgraf? Os cooperados têm consciência dos limites e possibilidades desta experiência? Como encaram a nova situação, onde na Jorgraf não terão os direitos trabalhistas que são assegurados a um trabalhador de “carteira assinada”?

Antônio Pereira – Prezado Luiz Mendonça, não está nos nossos objetivos romper com a praxe capitalista. Nos associamos em uma cooperativa com o objetivo de sobreviver, render dividendos financeiros para os cooperados e tocar a vida com a cabeça erguida, livres dos ditames ditatoriais dos patrões. Nossa cooperativa não é de esquerda, não é de direita. Não é governo, não é oposição. Temos um produto, que é o jornal Tribuna Independente, voltado para um jornalismo ético e socialmente engajado. A nossa opinião é divulgada, apenas, nos editoriais. Com relação à possível exploração da mais-valia, acredito que não, pois temos critérios, democraticamente discutidos e aprovados em assembléias permanentes. Além disso, a cooperativa não tem fins lucrativos. Tudo, eu digo tudo, o que é arrecadado, retiramos os custos, reservamos 20% e distribuímos o restante de forma igualitária e equânime.

E-FENAJ – André Pereira, ex-repórter e ex-editor da Coojornal, fez, inicialmente, um relato sobre a experiência gaúcha da Coojornal, em Porto Alegre, extremamente exitosa nos primeiros tempos, que reproduzimos na íntegra: “No começo ali trabalhava um pequeno grupo de jornalistas editando boletins para terceiros (os chamados house organs) que sustentavam, junto com parca publicidade e a venda em banca, o mensário Coojornal no qual se fazia o bom jornalismo alternativo da época – meados dos anos 70 para o final da década. E, claro, sustentava a equipe de jornalistas que se dedicava integralmente ao projeto. Com o crescimento da cooperativa, aquisição de parque gráfico, edição de novos veículos (jornais mensais do Grêmio e Internacional) e oferta de novos serviços (agência de noticias e fotos) e hierarquização (inclusive salarial) dos gestores, ela tornou-se igual a qualquer empresa jornalística capitalista que sepulta o solidarismo. O desfecho foi uma briga político-ideológica interna, que se refletiu na saída de muitos cooperados e na conseqüente falência do empreendimento”. André pergunta se os colegas de Alagoas sabem desta história de sucesso e fracasso da Coojornal? E como se preparam para evitar os erros que acabaram com o belo projeto gaúcho?

Antonio Pereira – Sabemos algumas coisas do processo da cooperativa do Rio Grande do Sul. No nosso caso temos muitas diferenças. A maior e mais expressiva é a atual organização das cooperativas do sistema Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Abro um parêntese aqui para agradecer o grande apoio que estamos tendo da OCB de Alagoas. Recebemos consultoria (gratuita) jurídica, contábil e administrativa. Tivemos também que participar de um curso de formação e estamos participando de vários eventos ligados ao cooperativismo em Alagoas. No Brasil os avanços organizacionais e de constituição de cooperativas são enormes. Além disso, o momento político é outro. Nossa Tribuna Independente não tem pretensão de ser uma “trincheira de esquerda na Terra dos Marechais”. Queremos apenas fazer jornalismo com ética, sem amarras de grupos econômicos ou políticos. Temos os meios de produção nas mãos. A força de trabalho de experientes profissionais e um mercado a ser explorado. Apostamos na transparência e honestidade na administração da cooperativa. Vivemos um sonho de ter uma experiência única em nível nacional de gestão cooperativa, de forma paritária, com os companheiros gráficos. Com fé em Deus, Nossa Senhora e Padim ciço, acredito que é possível, sim, vencermos os desafios que vêm pela frente e fazer história nesse país.

E-FENAJ – Valeu, Toinho. Obrigado pela atenção e sucesso a você e aos colegas jornalistas e gráficos neste imenso desafio de construir e consolidar a Jorgraf como alternativa de sobrevivência e de exercício de um jornalismo sério, de qualidade e comprometido com o interesse público.