Um dos grandes desafios da atual gestão da FENAJ é a construção de uma Política Nacional de Saúde para a categoria, bem como avançar na perspectiva previdenciária. Coordenando este trabalho no Departamento de Saúde e Previdência de nossa Federação, Sueli de Freitas e Guto Camargo concentram-se, neste momento, na preparação do Encontro Nacional de Saúde do Jornalista, que acontecerá em São Paulo, dias 9 e 10 de junho. Pela atualidade do tema, eles são os convidados desta segunda edição do “Entrevistas da FENAJ”.
Sueli de Freitas é jornalista há 12 anos. Formada pela UFES, é assessora de imprensa do Sindicato dos Bancários/ES. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas/ES de 1997 a 2000. Hoje é secretária de Imprensa e Comunicação da entidade, representando-a também na Associação de Entidades da TV Comunitária de Vitória.
José Augusto (Guto) Camargo é diretor jurídico do Sindicato dos Jornalistas/SP. Participa do Coletivo Estadual e Nacional de Saúde da CUT e junto ao Instituto Nacional de Saúde INST-CUT, sendo, também, representante da Central no Conselho Estadual de Saúde/SP.
EFENAJ – Arthur Lobato e João Felipe Gonzaga, do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, nos encaminharam algumas questões. Vamos à primeira: qual a proposta da FENAJ para uma política de saúde e qualidade de vida do trabalhador?
Sueli – Saúde não é apenas a ausência de doenças, mas a garantia de qualidade de vida. E isso envolve condições de trabalho e de salários dignas, um ambiente livre do assédio moral, das pressões de chefias, um maior controle do trabalho por quem o executa, enfim, uma nova forma de organização do trabalho. A proposta da Fenaj é estimular ações nos Estados visando à construção de políticas de saúde com essa amplitude. Ou seja, as questões de saúde perpassam toda a ação sindical. E um instrumento fundamental para essa ação é a organização nos locais de trabalho (OLT). Infelizmente a reforma sindical proposta pelo Governo Lula não garante a OLT em todas as empresas.
Guto Camargo – As ações da Fenaj, e do movimento sindical comprometidos com a questão social devem ser balizadas pelos critérios de universalidade, integralidade das ações, Controle social, hierarquização/descentralização – consolidar o papel do município como instância de ação na saúde do trabalhador integrando os níveis estadual e nacional nas ações, segundo sua complexidade, interdisciplinaridade (envolvendo o conhecimento de diferentes áreas), o caráter transformador, promovendo mudança nos ambientes e processos de trabalho, a intervenção contínua, e a plurinstitucionalidade, com a criação de redes e sistemas de comunicação entre diversos órgãos. Estes pontos foram concensuados no Coletivo Nacional de Saúde da CUT, do qual eu participo representando a FENAJ. Mais informações podem ser obtidas no site: http://www.instcut.org.br.
EFENAJ – Outra pergunta que os colegas de Minas fazem: em qual suporte teórico a FENAJ se baseia para desenvolver seu trabalho?
Guto Camargo – A análise e a intervenção da Fenaj no campo da saúde do trabalhador está baseada no conceito sanitário, que avança além da prática curativa (que é uma reação posterior ao problema) e, partindo da idéia da prevenção, pretende construir uma prática de intervenção nos ambientes e processos de trabalho, causadores dos infortúnios. A abordagem parte do princípio de que os acidentes de trabalho são evitáveis, uma vez que não são situações naturais, mas sim resultado da ação humana sobre determinadas práticas segundo determinados métodos. Como conseqüência desta premissa temos que os acidentes não são entendidos como decorrências de ações humanas inadequadas ou inábeis, mas resultados de um complexo de fatores como ritmo, organização, métodos de trabalho e relação produtiva, onde o trabalhador não é visto como agente principal do processo, mas apenas mais um elemento componente do sistema produtivo (onde muitas vezes não é sequer o mais importante).
EFENAJ – A última pergunta dos mineiros é quanto ao assédio moral. Como proceder judicialmente nestes casos e como comprovar o assédio?
Sueli – Hoje já existem diversas leis estaduais visando inibir o assédio moral, conceituado, resumidamente, como a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas, praticadas por chefias. Temos também decisões judiciais favoráveis às vítimas e projetos de lei em âmbito federal. O importante é o trabalhador não omitir o assédio e buscar juntar todas as provas possíveis, tais como testemunhos de pessoas que presenciaram o assédio ou também foram vítimas daquele agressor e outras evidências do assédio. Um estudo importante nessa área, que abriu o debate em nível nacional, foi a pesquisa da professora Margarida Barreto em sua dissertação de mestrado em Psicologia Social – PUC/SP. O título é “Uma jornada de humilhações”. Veja o site www.assediomoral.org.
Guto Camargo – Assédio moral é um termo novo para um velho problema que pode ser entendido a partir das relações desiguais e autoritárias presentes no cotidiano do trabalho. É caracterizado quando a pessoa é submetida regularmente a situações degradantes ou humilhantes por parte de seus superiores Este é, em poucas linhas, o conceito com que trabalhamos. A comprovação do assédio para efeitos legais não é uma tarefa fácil, pois normalmente se trata de relações humanas que, normalmente não resultam em provas materiais (apesar de que em alguns casos elas podem ser obtidas, um e-mail ou bilhete, por exemplo), portanto, a prova testemunhal é, muitas vezes, o único recurso.
EFENAJ – A colega Etna Vasconcelos, da Bahia, é jornalista há 23 anos e sempre trabalhou em TV. Ela nos conta que nos últimos seis anos vem sentido dores. Fez exames e está com LER. Foi demitida sem justa causa e está tentando conseguir a aposentadoria, mas, segundo um especialista do Centro de Doenças Ocupacionais da Bahia, não existem casos comprovados de jornalistas com LER no Brasil. Ela pergunta como provar na justiça que está com a doença adquirida no trabalho para poder se aposenta?
Guto Camargo – Estou surpreso com a declaração deste “especialista”. Existem sim casos comprovados de LER em jornalista, aqui em São Paulo temos alguns. Aàna Bahia existe o CESAT, Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador, que é bem conhecido e respeitado na área de saúde do trabalhador, inclusive faz parte da RENAST – Rede Nacional Integrada de Assistência à Saúde do Trabalhador. O CESAT tem trabalhado na área de LER e creio que pode orientá-la neste caso.
A LER/DORT é reconhecida pelo Ministério da Saúde e pelo INSS como doença do trabalho, para ser caracterizada basta um médico do trabalho estabelecer o nexo causal entre o trabalho e a doença e aí, se o perito do INSS discordar ele precisa provar o contrário. A caracterização do nexo deve obedecer a Instrução Normativa 98, de dezembro de 2003 que pode ser baixada pelo site do sindicato dos bancários de São Paulo:http://www.spbancarios.com.br/spb/download/17/saude_norma.pdf
Quanto ao INSS, você deve estar recebendo auxílio doença “comum”, quando em casos de doença do trabalho o segurado deve receber o auxílio doença acidentário (Código B91) que, apesar do valor recebido ser igual, implica em algumas diferenças legais, inclusive a estabilidade de 360 dias após o retorno ao trabalho.
Para reverter este quadro é preciso ter o relatório médico, pedir reabertura de CAT para caracterizá-la como acidente de trabalho e solicitar a reintegração no emprego, uma vez que você não poderia ser despedida em tratamento médico. Isto pode significar, em última instância, uma demanda jurídica. Antes da aposentadoria por invalidez a lei prevê a reabilitação do acidentado para que ele ocupe outra função, compatível com sua situação, só depois disso é que se concede a aposentadoria.
Sueli – As LER/DORT são doenças do trabalho. O problema é que o INSS nem sempre reconhece o nexo causal, ou seja, a relação entre a atividade profissional e o adoecimento. Este é o grande problema: apesar de existirem leis e normas que tratam da saúde e da proteção ao trabalhador, na prática os trabalhadores têm grandes dificuldades para terem seus direitos reconhecidos. Os portadores de doenças não podem ser demitidos. Eu orientaria você a buscar o Sindicato para pedir a emissão da CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) caso ainda não tenha sido emitida, apresente os exames que você tem que comprovam a LER. Você terá que recorrer ao INSS para ter o reconhecimento da LER. Também cabe ação na Justiça de reintegração ao trabalho.
EFENAJ – O Silvio Pereira da Costa, assessor do Sindicato dos Jornalistas/SC quer saber qual a posição da FENAJ quanto à previdência social?
Sueli – É uma questão de política pública. Infelizmente só se fala em previdência para apontar déficits. Mas poucos lembram que o sistema previdenciário foi superavitário quando criado. Os recursos da Previdência, ao invés de serem aplicados para garantir a manutenção do sistema, foram usados em obras de infra-estrutura no Brasil. E mais: não se pode falar em previdência relacionando apenas à aposentadoria. O assunto é mais complexo, pois se trata de um sistema de proteção social que carece de mais cuidado por parte das autoridades constituídas. Do ponto de vista da previdência privada complementar, a Fenaj discute hoje a adoção de um plano para a categoria. Esse será um dos temas da reunião do Conselho de Representantes no dia 11 de junho.
Guto Camargo – Do ponto de vista histórico, a Previdência foi o setor de direitos sociais que menos se democratizou após a constituição de 1988. A saúde é municipalizada e possui um amplo sistema de consulta e participação popular através dos Conselhos de Saúde e das conferências (o chamado controle social), o Ministério do Trabalho se caracterizou pelo recurso ao modelo tripartite, onde as negociações são feitas pelas bancadas patronais, sindicais e governo (caso do projeto de reforma sindical), mas a previdência continua refratária à participação popular.
Para o que nos interessa, o campo da saúde, a previdência deve ser encarada como parte de um sistema de previdência social (que engloba a saúde e a assistência social) e não apenas como uma garantia para a aposentadoria. Sob este último aspecto ela se transforma apenas em uma relação contratual alicerçada no indivíduo e mediada por fatores financeiros e atuariais. Superar esta situação é necessária pois, caso contrário, o debate se limita ao montante arrecadado e ao gasto. A grande reforma da previdência é a criação deste sistema de proteção social, onde o custo, por exemplo, da aposentadoria será debatido e resolvido como um direito social, financiado pelo conjunto da população por mecanismos socialmente estabelecidos e não por contas individuais reunidas em um mesmo fundo.
Isto não tem ligação direta com previdência complementar, que assim como saúde e educação privadas, podem continuar a existir, apenas convivendo com um serviço público de qualidade.
EFENAJ – Marília Assunção, Secretária Geral do Sindicato dos Jornalistas e Secretária de Comunicação da CUT de Goiás, fez algumas perguntas. Vamos à primeira, que também pode responder ao questionamento feito pelo Augusto, estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (RS): que dados mais recentes se tem sobre doenças que mais acometem os jornalistas brasileiros? Existem diferenças regionais no âmbito destas doenças?
Guto Camargo – As estatísticas sobre acidentes de trabalho no Brasil não são confiáveis, além da subnotificação (as empresas simplesmente escondem os acidentes) apenas os trabalhadores formais, com registro em carteira, são obrigados a notificar os acidentes de trabalho Ficam de fora os funcionários públicos, trabalhadores rurais, autônomos, cooperados, sem contar todo o mercado informal. Isto compromete a amostra.
Mas, mesmo assim, dispomos de algumas informações interessantes. Pelos dados do INSS, de 1999 a 2003, podemos notar que o setor com mais acidentes no Brasil é o de TV (o critério para divisão dos setores é o do CNAE – Código Nacional de Atividade Econômica e abrange os profissionais da área, não apenas os jornalistas, e o de acidente engloba doenças do trabalho e acidentes de trajeto). Os dados são de média de acidentes por ano, a saber: TV – 501,2 ; Jornais – 439,4; Revistas – 157,8 ; Rádio – 78; Agências – 11,6 .
Em relação à causa de morte, dispomos apenas dos dados relativos a cidade de São Paulo, entre 1996 e 2003. E a situação é a seguinte: Doenças isquêmicas do coração – 64; Bronquite, enfisema, asma – 26; Câncer do pulmão – 21; Doenças cerebrovasculares – 21; Pneumonias – 20; Câncer de próstata – 13; Aids – 12; Suicídios – 10; Insuficiência renal – 10; Insuficiência cardíaca – 8; Cirrose e doenças crônicas do fígado – 8; Diabete melitus – 8.
EFENAJ – A Marília comenta que, quando aparecem para fazer operações nas empresas de comunicação, os agentes de fiscalização parecem intimidados. Ela pergunta quais ações se tem encaminhadas nacionalmente junto ao Ministério do Trabalho para que essa fiscalização seja mais rigorosa?
Guto Camargo – Em reunião com o coordenador de fiscalização da área da saúde do Ministério do Trabalho de São Paulo, da qual participaram vários sindicatos cutistas, foi esclarecido que o corpo geral de fiscais está preparado apenas para verificar as questões gerais de direito trabalhista e não são capacitados para as questões de saúde. Os auditores da saúde, médicos, engenheiros, químicos etc. Atuam apenas quando especificamente convocados para ações voltadas para a saúde. A fiscalização em saúde é mais complexa e demorada, sendo feita em várias visitas, reuniões e análises, além de que o número de fiscais nesta área é pequeno.
Em vista disto foi proposto pela CUT SP uma comissão entre as partes para elaborar uma agenda de fiscalização estabelecida a partir de prioridades por setores produtivos. Esta comissão foi estabelecida o mês passado.
Em relação a Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho que não faz fiscalização mas estudos e pesquisas em saúde e que está passando por uma reestruturação (terá eleição do conselho de representantes em breve), a idéia é parecida; estabelecer estudos não mais por empresas ou categorias, mas sim pela cadeia produtiva ou setor. A CUT, que tem uma vaga neste conselho, marcou uma reunião para junho com a direção da entidade para tratar deste projeto.
Justamente devido a estas limitações é que surgiu a proposta, apoiada pelo Coletivo de Saúde da CUT, de que a fiscalização nos ambientes do trabalho seja feita sob a responsabilidade da vigilância sanitária, do SUS, pois todos os seus fiscais (em número muito maior e presente em todas as cidades) são treinados e tem o olhar voltado para a saúde.
Experiências neste sentido já foram tentadas em vários municípios mas encontraram uma forte resistência patronal. No Rio Grande do Sul, a federação das indústrias entrou na justiça para impedir a fiscalização do SUS alegando inconstitucionalidade, pois apesar de previsto pela constituição como competência da área da saúde a matéria não estaria regulamentada. A questão jurídica permanece controversa.
FENAJ Pra finalizar, vamos à última pergunta da colega de Goiás: qual estratégia podemos propor nos estados com o objetivo de melhorar as condições de trabalho dos jornalistas? O encontro dos dias 9 e 10 vai tratar disso?
Sueli – A realização do Encontro Nacional de Saúde do Jornalista tem justamente o objetivo de incentivar a adoção de políticas de saúde nos Estados. A partir desse trabalho é que teremos um quadro mais preciso do que está acontecendo com a categoria. No cotidiano, temos visto que os jornalistas estão adoecendo em função da forma como o trabalho é organizado, mas ainda carecemos de dados estatísticos mais precisos. Pretendemos reunir diretores dos sindicatos filiados para discutir a construção da política nacional de saúde no trabalho dos jornalistas. A primeira parte do evento será destinada à divulgação dos conceitos básicos sobre saúde do trabalhador, os aspectos legais (legislação) e a responsabilidade do Estado. Num segundo momento serão realizados painéis sobre a política de promoção da saúde nos locais de trabalho, a partir da intervenção dos trabalhadores. O encontro será finalizado com a construção coletiva de um plano de ação a partir das demandas apresentadas pelos participantes e das informações que serão colhidas por meio de um questionário respondido pelos sindicatos filiados. A proposta é, a partir deste encontro, criar um coletivo para encaminhar a política de saúde em conjunto com o Departamento de Saúde e Previdência da Fenaj, com desdobramentos nos Estados.





