Audiência pública debaterá demissões em série de jornalistas no RN

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A deputada estadual Isolda Dantas (PT) protocolou um pedido para a realização de uma audiência pública na Assembleia Legislativa, ainda sem data confirmada, com o objetivo de discutir a liberdade de imprensa, a democratização da comunicação e a importância de um jornalismo independente, livre e plural no Rio Grande do Norte. A iniciativa surge em meio a uma onda de demissão de jornalistas potiguares. As demissões, segundo se especula, teriam motivação política em razão do perfil progressista dos profissionais, que trabalhavam em veículos com linha editorial alinhada à direita.

Para Isolda, o debate é “urgente” diante do que ela classifica como um “cenário de crescente fragilização das garantias democráticas e do direito à livre expressão”.

“Estamos presenciando um movimento preocupante de silenciamento de vozes na imprensa potiguar. Em especial, jornalistas têm sido afastados ou demitidos de veículos que mantêm uma linha editorial claramente identificada com a direita. Precisamos entender o que está acontecendo e garantir que o contraditório continue tendo espaço”, afirmou a parlamentar.

A audiência pública, segundo a parlamentar, deve reunir jornalistas, representantes de sindicatos e associações da categoria, além de juristas, especialistas em comunicação e representantes da sociedade civil.

A expectativa é que o encontro seja um espaço para refletir sobre os riscos que a concentração editorial, a imposição do pensamento único e a falta de pluralidade de ideias impõem à democracia, especialmente em um mercado historicamente caracterizado pelo monopólio midiático como ocorre no Rio Grande do Norte.

“Um jornalismo livre não pode ser confundido com um jornalismo único. A pluralidade de ideias é fundamental para a construção de um debate público saudável e para que os cidadãos possam formar sua opinião com base em diferentes pontos de vista”, destacou Isolda.

O primeiro caso que repercutiu junto à opinião pública foi o do jornalista Heitor Gregório, que há 10 anos hospedava um blog no site do jornal “Tribuna do Norte”. Depois de publicar uma crítica ao prefeito Paulinho Freire (União Brasil), ele foi expulso publicamente, via redes sociais, pelo dono do periódico, o empresário Flávio Azevedo (PL), que também é primeiro suplente do senador Rogério Marinho (PL).

Em comentário feito em uma publicação no perfil do Instagram de Heitor Gregório, Flávio Azevedo convidou o jornalista a “encontrar outra forma de veicular suas críticas e opiniões”, em uma demonstração explícita de censura ao trabalho do colunista.

“Prezado Sr. Heitor Gregório. Informo que o Prefeito Paulinho Freire, independentemente de seu cargo político, é meu amigo pessoal (sic) há muitos anos. Nossos ancestrais conviveram fraternalmente durante décadas. Suas críticas, veiculadas no Portal da Tribuna do Norte, me causam constrangimento pessoal. Desse modo, solicito a gentileza de encontrar outra forma veicular suas críticas e opiniões”, escreveu o dono do jornal.

O Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Norte (Sindjor) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) divulgaram, à época, nota conjunta afirmando que a atitude de Flávio Azevedo era algo “típico do período da ditadura”.

O segundo caso a chamar atenção foi o do jornalista mossoroense Bruno Barreto, demitido da TV Ponta Negra, onde atuava como comentarista político, após chamar o prefeito de Mossoró, Allyson Bezerra (União Brasil), de “mentiroso”.

O jornalista atribuiu sua demissão à pressão política que teria sido feita pelo prefeito, com o objetivo de silenciá-lo. Em suas redes sociais, Bruno Barreto afirmou que Allyson Bezerra estaria comemorando o afastamento dele da emissora da ex-prefeita de Natal, Micarla de Sousa.

“Allyson Bezerra, o meu afastamento da Ponta Negra está sendo celebrado por você e pelos seus por não ter mais alguém numa emissora de TV aberta dizendo verdades sobre sua atuação política”, escreveu.

O jornalista disse, ainda, que sua cabeça foi ofertada “numa bandeja” ao prefeito, mas assegurou que sua voz não será “abafada”.

O Sindjorn e a Fenaj, novamente, emitiram nota criticando a demissão do jornalista. Para as duas entidades, o caso demonstra que “a tentativa de censura, cada vez mais presente no jornalismo, começa a querer ganhar ares de normalidade, o que não é”.

“Os empresários da comunicação do Rio Grande do Norte estão fazendo ‘escola de censura’ e aplicando aos profissionais no Estado”, diz trecho da nota conjunta, citando o precedente da demissão de Heitor Gregório da Tribuna do Norte, seguida da de Bruno Barreto da TV Ponta Negra.

“Convidado pela jornalista e proprietária da emissora, Micarla de Sousa, para ser comentarista político no Jornal do Dia, ele foi subitamente afastado da tela da TV por fazer o que foi convidado a fazer: comentário político. Mais uma vez, o afastamento também envolve um mandatário municipal, o prefeito de Mossoró, Allyson Bezerra. O Conselho Editorial da TV Ponta Negra não ficou satisfeito com as críticas feitas pelo jornalista à administração do prefeito de Mossoró e decidiu puni-lo, o afastando da emissora”, argumenta o comunicado.

As demissões não pararam por aí. Na semana passada, após um debate acalorado sobre a proposta de anistia para os golpistas condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 em Brasília (DF), o jornalista Tiago Rebolo foi afastado da 98 FM de Natal, onde dividia a bancada do jornal “Repórter 98” com a também jornalista Geórgia Nery e com o dono da emissora, Felinto Júnior.

No programa que foi ao ar na última quinta-feira (29), Tiago Rebo e Geórgia Nery divergiram, como de costume, sobre a concessão ou não da anistia ao grupo de bolsonaristas condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

De perfil mais progressista, Tiago Rebolo lembrou que, se fosse aprovada pelo Congresso Nacional, a anistia seria derrubada pelo STF, uma vez que seria, na visão dele, “inconstitucional”.

“A anistia cabe por razões humanitárias, aí teria que caber para várias pessoas, para um grupo grande, não apenas para aquelas pessoas que estão sendo condenadas”, pontuou o jornalista.

Geórgia, que se declara de centro, apesar de se alinhar quase sempre com as pautas defendidas pelo bolsonarismo, como no caso da anistia, ironizou o comentário do colega de bancada citando o caso da ex-primeira-dama do Peru, Nadine Heredia, que recebeu asilo diplomático do governo brasileiro.

Para Geórgia, o caso da ex-primeira-dama peruana demonstraria que haveria “dois pesos e duas medidas para tratar sobre anistia” e que esse seria um exemplo de que o país “está tratando esse elemento jurídico de uma forma equivocada”.

Rebolo contraditou lembrando que os casos não “têm nada a ver”, porque “uma coisa é uma pena aplicada pelo Poder Judiciário, outra é um asilo concedido pelo governo brasileiro”.

A discussão seguiu com troca de farpas entre os dois jornalistas. Geórgia insinuou que Tiago Rebolo seria o “Alexandre de Moraes, o revisor da bancada do Jornal 98”, sendo em seguida chamada de “intolerante às críticas” pelo colega apresentador.

O dono da emissora, Felinto Júnior, interrompeu a discussão afirmando que “aqui todo mundo tem o direito de colocar o ângulo que quiser, mesmo eu divergindo radicalmente de muitos deles”.

Apesar de assegurar que haveria espaço para a pluralidade de pensamentos na emissora, o único punido após a desavença pública foi Tiago Rebolo, que não aceitou continuar na rádio em outra função, sem apresentar mais o jornal, como lhe teria sido proposto.

A sua saída, segundo especulações de bastidores, seria fruto da pressão de Geórgia Nery, o que foi negado pela jornalista e pela direção da emissora.

Outro caso que repercutiu, embora mais timidamente, aconteceu também na semana passada com a demissão do jornalista Hugo Vieira da TV Tropical, emissora de propriedade do ex-senador e presidente estadual do União Brasil, José Agripino Maia.

Coincidência ou não, a demissão se deu após o jornalista publicar, em suas redes sociais, um comentário elogioso à governadora Fátima Bezerra (PT). “Fátima salvou o RN”, escreveu ele, em referência aos dados positivos na segurança pública obtidos no governo petista.

José Agripino, vale ressaltar, é um velho cacique da direita, adversário histórico do PT, em que pese seu partido, no âmbito nacional, integrar a base de apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O ex-senador, no entanto, segundo apuração do “Blog do Dina”, negou que a demissão do jornalista se devesse a razões políticas, assegurando que nem tinha tomado conhecimento do desligamento do jornalista. “Isso não passou por mim. Foi coisa de gestão”, declarou Agripino.

Nos casos de Tiago Rebolo e Hugo Vieira, não houve nota do Sindjorn e da Fenaj.

Fonte: Saiba Mais