Debate no Sindicato dos Jornalistas do Rio defende abertura de arquivos da ditadura

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A abertura dos arquivos da repressão política na ditadura militar foi considerada a questão mais importante no debate sobre o Programa Nacional de Direitos Humanos, realizado na terça-feira (23/03), no Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro. Para os debatedores é contraditório o governo federal fazer campanha na TV para buscar informações sobre a localização de desaparecidos na ditadura, se ele tem o poder de propor a abertura dos arquivos para a solução dos casos de assassinato, seqüestro e tortura em dependências do Exército, Marinha e, principalmente, Aeronáutica.

Marcelo Cerqueira, advogado de presos políticos na época da ditadura, demonstrou pessimismo quanto à possibilidade de ver a proposta aprovada pelo atual governo ou por quem o suceder, “seja com Serra ou Dilma”. Também se disse preocupado com informações de que em Salvador, Bahia, já foi denunciada a queima de arquivos em dependências da Aeronáutica.

Campanha
O jornalista Cid Benjamin, ex-preso político, lembrou que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, da qual é superintendente de Comunicação Social, fará no dia 16 de abril o lançamento da Campanha pela Memória e pela Verdade, que inclui a defesa da abertura dos arquivos da ditadura. A campanha terá a participação de Fernanda Montenegro, Glória Pires, José Mayer, entre outras personalidades.

“Não é uma questão de revanchismo. É para podermos olhar para a frente. Se deixarmos, o ovo da serpente vai estar aí de novo. Não precisa nem punir”, argumentou. Citou como exemplo o que aconteceu na África do Sul, onde o presidente Nelson Mandela, depois de amargar 27 anos de prisão, determinou que os torturadores se identificassem e tornassem público todos os seus crimes.

“Em um grande processo de catarse, a sociedade sul-africana viu quem foram os torturadores. Quem torturou foi obrigado a assumir todos os seus crimes. Ali, naquele momento, criaram-se anticorpos para que os erros não se repitam”, comentou Cid Benjamin.

Enterro e pranto
A reivindicação tem amparo legal, garante Marcelo Cerqueira. “A anistia foi ampla, geral e mesquinha”, criticou, substituindo a palavra “irrestrita”. “Torturador não foi anistiado”, disse. Lembrou que os demais países da América Latina promoveram investigações oficiais para solucionar casos de desaparecimento e responsabilizar os agentes públicos pela prática da tortura durante as ditaduras militares.
“E nesses países foi muito pior, comparativamente. Na Argentina, mataram mais de 30 mil pessoas e cerca de 500 crianças foram arrancadas dos presos para adoção. Portanto, é nosso dever saber onde foram enterrados esses verdadeiros mártires, assassinados covardemente pela ditadura. Precisamos lhes dar um enterro digno e que eles possam ser pranteados por suas viúvas”, acrescentou.

Provocar o Supremo
O advogado Cláudio Pereira de Souza, em nome da OAB, também assegurou que a Lei de Anistia não contempla torturadores. Além da campanha pela abertura dos arquivos, informou que a entidade “provocará” o Supremo Tribunal Federal (STF) para dar andamento à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153 para que os crimes de tortura sejam declarados imprescritíveis. A ADPF foi ajuizada no STF no final de 2008.

“Anistia não pode ser esquecimento e ela só abrange os crimes de natureza política no sentido de estarem voltados para subverter a ordem estatal. Cometeram-se crimes durante a repressão que precisam ser julgados. A abertura dos arquivos é um direito de as famílias terem acesso a informações sobre seus entes queridos e para que o povo se reconcilie com a verdade e a sua história”, disse.
Ex-preso político, Umberto Trigueiros se emocionou ao dizer que os que batem esquecem, mas quem apanha não esquece. Em sua opinião, o Programa Nacional de Direitos Humanos aborda questões fundamentais, mas a imprensa não aprofunda a discussão, tergiversa, e desvia a atenção do público para temas secundários como o uso de símbolos religiosos nas repartições públicos.

Ideologia violenta
A abertura dos arquivos, para ele, não significa vingança, mas uma forma de combater a violência que ainda persiste em toda a sociedade, principalmente no combate aos criminosos comuns. “Por que temos uma polícia tão violenta? Por que entram com blindados nas favelas? A tortura não acabou, ao contrário, está consolidada nas cadeias brasileiras. E esta violência se agravou na ditadura. É uma questão de origem.”

Para enfatizar que a ideologia de um estado violento e ditatorial continua presente no país, Umberto Trigueiros lembrou que a última turma formada na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, teve como patrono o general Emílio Garrastazu Médici, que comandou o governo no período mais sangrento e cruel da ditadura militar. Trigueiros é diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz,

Censura x liberdade
Outras questões contempladas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, como a liberdade de expressão e pensamento, foram discutidas no debate. A jornalista Sônia Regina Gomes, diretora do Sindicato, disse que as seis famílias que mantêm o controle da grande imprensa no Brasil dificilmente seriam favoráveis à abertura dos arquivos.

“Há uma história para ser contada e talvez os veículos de comunicação não tenham interesse na revelação dessa história”, enfatizou. O jornalista Nelson Moreira, que mediou o debate, criticou a grande imprensa por classificar como censura o princípio democrático de controle social dos veículos de comunicação, previsto no PNDH.

Fonte: site do SJMRJ