Desembargador de Sergipe processa ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas por texto ficcional

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No dia 23 de janeiro o Ministério Público de Sergipe denunciou criminalmente o jornalista Cristian Góes, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas, por um texto ficcional que não cita nomes, mas, segundo o desembargador do Tribunal de Justiça de Sergipe, Edson Ulisses, fere a sua honra. O caso vem gerando protestos de movimentos sociais e personalidades políticas. Para a FENAJ, trata-se de uma ação descabida e de um claro atentado à liberdade de expressão.

O desembargador Edson Ulisses, cunhado do governador do Sergipe, Marcelo Déda (PT), ingressou com duas ações judiciais – uma cível e outra criminal – contra Cristian Góes. Nas ações é pedida a abertura de inquérito policial e pena de prisão do jornalista, além do pagamento de indenização por dano moral.

No texto “Eu, o coronel em mim”, publicado no blog do jornalista no portal Infonet em maio de 2012, o desembargador considera que o trecho “chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã” é uma referência a ele. “No artigo não tem indicação de local, de data, cargo, função e muito menos nomes e nem características de ninguém”, defende-se Cristian Góes, reafirmando que trata-se de um texto de ficção.

Surpresa e perplexidade
Acompanhada por protestos de representantes de movimentos sociais e por parlamentares do PT que estavam juntos com o jornalista, a audiência do dia 23 de janeiro teve desdobramentos surpreendentes e deixou a maioria dos presentes perplexos. Primeiro porque a proposta do advogado de defesa, de que Cristian Góes divulgaria um texto esclarecendo que não chamou o desembargador e nenhuma pessoa concreta no texto de jagunço, foi de pronto rejeitada por Edson Ulisses. Depois porque a promotora de Justiça Alana Costa sugeriu que jornalista pagasse três salários mínimos ou cumprisse três meses de prestação de serviços comunitários. Góes rejeitou tal proposta, pois significava admitir que cometeu crime. E finalmente porque o Ministério Público deu continuidade ao processo.

Em decorrência disso, nova audiência deve ocorrer no mês de março. Além de manifesto lançado em defesa de Cristian Góes com mais de 100 signatários, entidades nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos preparam novos atos de protesto e em defesa da liberdade de expressão.

Para o presidente da FENAJ, Celso Schröder, este episódio é representativo de uma prática crescente de violências contra o jornalismo e os jornalistas. “Infelizmente em determinados nichos de poder prossegue a tentativa de inibir e agredir os jornalistas”, diz, considerando que este caso equipara-se aos piores momentos de repressão à imprensa no Brasil.

“A FENAJ repudia este processo, solidariza-se com o colega Cristian Góes e espera que o desembargador repense sua ação”, finalizou, informando que este caso será remetido ao Relatório Anual de Violências contra os jornalistas e ao Grupo de Trabalho da Secretaria Nacional de Direitos Humanos que avalia agressões aos profissionais de Imprensa.

Veja, a seguir, a íntegra do texto que provocou esta polêmica.

Eu, o coronel em mim
Está cada vez mais difícil manter uma aparência de que sou um homem democrático. Não sou assim, e, no fundo, todos vocês sabem disso. Eu mando e desmando. Faço e desfaço. Tudo de acordo com minha vontade. Não admito ser contrariado no meu querer. Sou inteligente, autoritário e vingativo. E daí?

No entanto, por conta de uma democracia de fachada, sou obrigado a manter também uma fachada do que não sou. Não suporto cheiro de povo, reivindicações e nem com versa de direitos. Por isso, agora, vocês estão sabendo o porquê apareço na mídia, às vezes, com cara meio enfezada: é essa tal obrigação de parecer democrático.

Minha fazenda cresceu demais. Deixou os limites da capital e ganhou o estado. Chegou muita gente e o controle fica mais difícil. Por isso, preciso manter minha autoridade. Sou eu quem tem o dinheiro, apesar de alguns pensarem que o dinheiro é público. Sou eu o patrão maior. Sou eu quem nomeia, quem demite. Sou eu quem contrata bajuladores, capangas, serviçais de todos os níveis e bobos da corte para todos os gostos.

Apesar desse poder divino sou obrigado a me submeter à eleições, um absurdo. Mas é outra fachada. Com tanto poder, com tanto dinheiro, com a mídia em minhas mãos e com meia dúzia de palavras modernas e bem arranjadas sobre democracia, não tem para ninguém. É só esperar o dia e esse povo todo contente e feliz vota em mim. Vota em que eu mando.

Ô povo ignorante! Dia desses fui contrariado porque alguns fizeram greve e invadiram uma parte da cozinha de uma das Casas Grande. Dizem que greve faz parte da democracia e eu teria que aceitar. Aceitar coisa nenhuma. Chamei um jagunço das leis, não por coincidência marido de minha irmã, e dei um pé na bunda desse povo.

Na polícia, mandei os cabras tirar de circulação pobres, pretos e gente que fala demais em direitos. Só quem tem direito sou eu. Então, é para apertar mais. É na chibata. Pode matar que eu garanto. O povo gosta. Na educação, quanto pior melhor. Para quê povo sabido? Na saúde…se morrer “é porque Deus quis”.

Às vezes sinto que alguns poucos escravos livres até pensam em me contrariar. Uma afronta. Ameaçam, fazem meninice, mas o medo é maior. Logo esquecem a raiva e as chibatadas. No fundo, eles sabem que eu tenho o poder e que faço o quero. Tenho nas mãos a lei, a justiça, a polícia e um bando cada vez maior de puxa-sacos.

O coronel de outros tempos ainda mora em mim e está mais vivo que nunca. Esse ser coronel que sou e que sempre fui é alimentado por esse povo contente e feliz que festeja na senzala a minha necessária existência.