Em mais um aniversário do Dia Mundial do Trabalho Decente, a Federação de Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc) e a Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) buscam conscientizar e fortalecer a defesa dos trabalhadores da imprensa diante da criminalização do jornalismo por meio de ações judiciais que buscam impedir o trabalho jornalístico e promover a autocensura.
O assédio judicial tornou-se uma ferramenta recorrente tanto na esfera penal quanto na civil, utilizada por agentes do poder político ou econômico com o objetivo de afetar jornalistas e veículos de comunicação e impedi-los de investigar ou publicar informações relevantes para a sociedade sobre questões que envolvem seus interesses.
Isso é evidenciado pelos dados coletados pela UNESCO, que revelam que, entre 2020 e 2023, pelo menos 22 ações judiciais foram movidas contra jornalistas em 14 países da região. A maioria está relacionada a casos de interesse público e foi movida por figuras políticas e econômicas de alto escalão.
Isso é possível porque, apesar do progresso feito nas últimas décadas, 29 dos 33 países da América Latina e do Caribe ainda têm leis de difamação com penalidades criminais. Ao mesmo tempo, a região ainda não promoveu ou aprovou leis para evitar o abuso de processos judiciais para assediar a imprensa ou os trabalhadores da mídia.
Por sua vez, esses processos são frequentemente acompanhados de pedidos de indenização desproporcional, na tentativa de desencorajar a investigação e a cobertura dos eventos em questão e, assim, incentivar a autocensura dos colegas. Esse é um dos aspectos centrais desses processos, conhecidos como litígio estratégico contra a participação pública – e também pelo seu acrônimo, SLAPPs.
Mas, além das estatísticas, há casos emblemáticos dessas práticas na região em 2024:
– Na Argentina, o Ministro da Justiça da Nação apresentou uma denúncia contra os jornalistas Nancy Pazos e Darío Villarruel, com base em opiniões expressas no exercício de seu trabalho, em clara afronta à liberdade de expressão e sem outro objetivo que não a intimidação. No final, o judiciário rejeitou as acusações, mas abriu um precedente negativo para um governo em seu primeiro ano de mandato.
– No Brasil, os colegas Enock Cavalcante e Alexandre Aprá tiveram suas casas invadidas no início de 2024, após uma denúncia apresentada pelo governador do estado de Mato Grosso, Mauro Mendes, acusando-o de crimes de informática e associação criminosa. A Federação Nacional dos Jornalistas do Brasil informou que apenas seus instrumentos de trabalho – computadores, tablets e telefones celulares – foram levados.
Na mesma linha, Schirlei Alves foi condenada no final de 2023 por “calúnia e difamação” a um ano de prisão domiciliar e a uma indenização de 80 mil dólares, depois de revelar em uma investigação jornalística os maus-tratos de uma vítima de estupro por funcionários da justiça.
– No Paraguai, a jornalista Angie Prieto foi absolvida em abril de 2024, depois de passar por um processo legal por defender colegas que decidiram denunciar o assédio sexual a que foram submetidas por um superior no grupo de mídia Albavisión. Ela foi primeiro demitida, apesar de sua antiguidade, e depois processada por supostamente escrever uma declaração difamatória e expressar críticas à forma como a empresa lidou com a situação em um grupo privado do WhatsApp.
– Na Guatemala, José Rubén Zamora, editor do El Periódico, foi enviado para prisão domiciliar em agosto deste ano após ser condenado por lavagem de dinheiro e passar dois anos na prisão em condições que a ONU descreveu como desumanas. Essa sentença coincidiu com suas críticas ao governo de Alejandro Giammattei, mas foi posteriormente anulada e um novo julgamento foi ordenado, embora ainda não haja data para um novo julgamento. Seu caso atraiu fortes críticas ao processo judicial e às autoridades responsáveis, tanto dentro quanto fora do país, inclusive do atual presidente da Guatemala, Bernardo Arévalo.
Tais ações não apenas prejudicam a liberdade de expressão, mas também afetam o direito ao trabalho decente, pois os colegas que enfrentam tais processos são incentivados a limitar sua cobertura, a se autocensurar ou até mesmo a abandonar a profissão.
Na comemoração do Dia Mundial do Trabalho Decente, em 7 de outubro, é necessário enfatizar que o direito à liberdade de expressão, o acesso à informação e a proteção dos trabalhadores da imprensa estão diretamente relacionados aos direitos trabalhistas. Sem garantias para um exercício jornalístico livre de ameaças e pressões judiciais, não será possível falar de trabalho decente no campo jornalístico.
Nesse sentido, a Fepalc e a FIJ fazem um chamado para conscientizar e promover a luta contra esses ataques que buscam deslegitimar e desacreditar os jornalistas, e para garantir o direito ao trabalho decente, fortalecendo a principal ferramenta dos trabalhadores: a ação sindical e a organização coletiva.