Intensidade das chuvas prejudica populações do Sul e Sudeste

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Prossegue calamitosa a situação em Santa Catarina. O tempo permanece instável e já há registro de 117 óbitos. Em vários municípios muitas pessoas retornam a seus lares buscando reconstruir o que foi perdido. Especialistas em defesa civil criticam a atuação do governo do estado por não assegurar a reestruturação da vida das pessoas. Há críticas, ainda, a um projeto de lei ambiental que tramita no legislativo catarinense. A chuva também aflige os cariocas e capixabas. Para a FENAJ a cobertura jornalística das tragédias deve ser aprimorada para assegurar informação de qualidade à população.

Na faixa leste de Santa Catarina, da Grande Florianópolis ao norte do estado, o tempo permanece instável, devido a um sistema de alta pressão que vem do mar. Segundo a Defesa Civil catarinense a situação ainda é crítica, mas a tendência é de baixar a água lentamente, com risco especialmente de deslizamentos nas encostas das áreas atingidas. A Defesa Civil informou nesta quarta-feira (03/12) que caiu para 35.325 o número de desalojados e desabrigados e que a tendência é de diminuição gradual. Já chega a 117 o registro de mortes e 32 pessoas estão desaparecidas.

Os movimentos de solidariedade aos catarinenses vítimas da tragédia prosseguem. Já foram doados 1,5 milhão de quilos de alimentos e R$ 12 milhões. É preciso mais. A defesa civil orienta os interessados em apoiar a buscarem orientações sobre como efetuar doações e depósitos bancários no site http://www.desastre.sc.gov.br/

Mais riscos
Apesar do tempo instável, em vários dos municípios atingidos a intensidade das chuvas diminuiu significativamente e há alguns dias com sol. Mas aí reside novo perigo. Com a sensação da melhora no tempo, muitas pessoas começam a voltar para seus lares, computando os prejuízos e buscando reconstruir suas vidas num cenário de desolação. Os órgãos responsáveis pelo socorro às vítimas alertam constantemente que as pessoas só devem retornar num quadro de maior segurança, pois com o solo enxarcado, novas ocorrências de chuva podem provocar outros deslizamentos.

Em Santa Catarina já foi registrado um caso com mortes quando uma família retornou à sua casa após um deslizamento de terra e foi soterrada por novo deslocamento de terra. No sábado (29/11), houve um deslizamento na cidade de Luiz Alves, com a morte de Luiz Felipe Soplisk, sete anos, de Licia Luciane, 66 anos, e o desaparecimento de seu marido, Valmor Luciane, de 70 anos, segundo a Defesa Civil. As equipes de resgate estão autorizadas a retirar à força ou dar voz de prisão àqueles moradores em áreas de risco que se recusam a deixar suas casas.

Chuvas castigam outros estados
A condição de chuvas atípicas para esta época do ano é preocupante também nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. No Rio os municípios mais afetados com desabamentos e inundações são Campos dos Goytacazes e Rio Bonito. Segundo informações da Agência Brasil, quase 10 mil pessoas estão desabrigadas e há situação de emergência, também, nos municípios de Carapebus, Paracambi, Barra do Piraí e Silva Jardim.

No Espírito Santo 10 municípios foram mais efetados pelas chuvas e estão em estado de emergência. Mais de duas mil pessoas estão desabrigadas. O município de Vila Velha, na região da Grande Vitória, foi um dos mais prejudicados. Além de providenciar apoio com abrigos e mantimentos para os atingidos, a Defesa Civil preocupa-se também, com cuidados médicos em virtude dos riscos de contaminação das comunidades vitimas de alagamentos.

É hora do bom jornalismo
A situação alarmante nos três estados, aliada aos alagamentos e transtornos também verificados em São Paulo, preocupa a FENAJ. Para o presidente da entidade, Sérgio Murillo de Andrade, embora já haja relatos de riscos que profissionais que estão cobrindo os desastres estão passando, agora é a hora do bom jornalismo aparecer. “Além dos números oficiais não revelarem o real alcance da tragédia existem informações de comunidades que até o momento não receberam qualquer auxílio e estão completamente desamparadas, sem comida e água”, diz.

Para Murillo, os jornalistas não devem se restringir às informações das fontes oficiais e devem buscar a investigação mais ampla possível dos fatos. “O bom jornalismo essencialmente duvida e ao duvidar pode realizar sua verdadeira função social de repassar à sociedade informações de qualidade”, recomenda.

Começa o desastre
Especialistas em defesa civil que estão atuando voluntariamente em Santa Catarina criticam comportamentos do governador Luiz Henrique e a Coordenação da Defesa Civil catarinense. Um deles falou ao Boletim da FENAJ sob sigilo de fonte. “Como a chuva diminuiu, o governador dá a entender em suas declarações que o desastre acabou”, criticou.

Segundo o especialista, além de não colocar a reestruturação da vida das pessoas entre suas prioridades, assegurando recursos para que os atingidos possam adquirir fogões, geladeiras, colchões, ou mesmo reconstruir suas casas, o discurso do governador de que o pior já passou seria uma justificativa para conter a queda na movimentação turística que já se verifica no estado. Entendendo que é importante estimular o turismo, e lembrando que vários dos municípios de grande potencial turístico da região afetada já vivem uma situação de normalidade, ele considera que o mais importante é valorizar o bem estar da população. E revelou que o governo estadual prepara, para os próximos 15 dias, uma campanha midiática sob o mote “Santa Catarina volta a sorrir”.

“As chuvas intensas, enchentes e deslizamentos são fenômenos naturais. O verdadeiro desastre na vida das pessoas começa quando estes fenômenos terminam”, diz o especialista, explicando que, para além do fundamental apoio no momento de emergência, é no período de “reconstrução” da vida dos atingidos que a ajuda humanitária e a ação do Estado se farão mais necessários. Um exemplo apontado é a situação dos moradores de Itajaí, onde além de um forte impacto na economia local, 50% das residências foram atingidas pelas cheias. O especialista defende que todas as pessoas prejudicadas têm direito a reivindicar recursos dos Fundos de Defesa Civil Nacional, Estadual e Municipais para amenizar suas perdas.

Fracasso
A ação da Coordenação Estadual da Defesa Civil foi classificada como “um fracasso” pelo especialista. Entre as críticas foram apontados erros na distribuição de alimentos, deficiências na triagem de roupas e calçados e falta de estrutura nos abrigos para acolhimento humanitário aos necessitados.

“Há lugares em que a comida chegou só hoje – terça, 02 de dezembro – 10 dias após as principais fatalidades”, critica a fonte. “E de que adianta a cesta básica se a pessoa não tem fogão para cozinhar?”, questiona, considerando que há desinteresse do governo do estado em prestar serviço de qualidade aos atingidos pela tragédia.

Lei ambiental pode piorar o problema
Em artigo divulgado na internet no dia 25 de novembro, o professor Luiz Carlos Pinheiro Machado Filho, Ph.D do Laboratório de Etologia Aplicada da Universidade Federal de Santa Catarina, sustenta que um Projeto de Lei de origem governamental que tramita na Assembléia Legislativa pode piorar o problema das cheias. Ele conta que, ao retornar de Curitiba para Florianópolis, pôde observar “os danos e tragédias da presente enchente”.

Pinheiro Machado lembra que os efeitos da chuva são fenômenos naturais e que se repetirão no futuro. “A ‘nova’ lei reduz a faixa de mata ciliar que deve ter nas margens dos cursos de água, libera o desmatamento, deixa de proteger fontes de água, define campos de altitude como 1800m, o que só acontece no Morro da Igreja… Também se ‘aproveita a onda’ para reduzir a área do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro”, diz, definindo o projeto como “resultado da pressão de fazendeiros, fábricas de celulose, e outros interesses, apoiados na justa preocupação de pequenos agricultores que dispõe de pequenas quantidades de terra para plantio” e responsabilizando os parlamentares que votarem favoravelmente nesta proposta por futuras tragédias..