* Vitor Menezes Sinceramente não entendo a gritaria geral que toma conta da mídia quando o governo anuncia que estuda a idéia de formar uma rede pública de TV. Com sua retórica teatral, Arnaldo Jabor, por exemplo, bradou na rádio CBN a defesa da democracia e atacou o surto autoritário do PT, considerando-o, neste tema, um retrocesso diante do período do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Só pode ser medo de perder participação no volume de recursos publicitários do governo. Não há outra explicação. Por um motivo simples: a proposta não é comprar a imprensa brasileira e tirar da iniciativa privada o direito de produzir conteúdo jornalístico com liberdade de expressão. A idéia é ter um veículo alternativo à mídia, com caráter não comercial, onde o governo possa falar diretamente à população — que, a propósito, não é obrigada a assistir É, inclusive, uma forma bem menos invasiva que o programa Voz do Brasil, que as emissoras de rádio transmitem pool de modo obrigatório no mesmo horário. Com a perspectiva da TV Digital, a oferta de canais será ainda maior, o que torna menos absurdo que o governo tenha a sua TV, do mesmo modo que entidades dos movimentos sociais, universidades, e também empresários do setor das comunicações. A própria proposta do governo não é a de criar apenas um canal do poder Executivo, mas também outros que exibam conteúdos de caráter cultural e comunitário. Isso, somado ao bom trabalho que realizam as TVs públicas existentes, especialmente a TV Cultura de São Paulo e a TVE do Rio de Janeiro, faz ampliar o acesso a um tipo de informação que não está diretamente refém do Ibope e das agências de publicidade. Daí a acreditar que isso significa uma estatização da imprensa ou um surto autoritário vai uma enorme distância. Até porque a “dona” da TV será a sociedade e a sua “diretoria” pode mudar através de eleições diretas a cada quatro anos. É completamente improcedente a comparação feita pelo próprio Jabor com o caso cubano, onde, simplesmente, não há imprensa privada e com liberdade. Se é indesejável que se tenha um monopólio estatal da imprensa — bato na madeira para afastar tal monstruosidade —, não é menos preocupante que a mídia privada acredite que possa, ela, exercer o monopólio da comunicação para o público em larga escala. Em comunicação não há ingenuidade. No fundo desta conversa está uma disputa ideológica. Não é de hoje que tentam caracterizar como autoritárias várias ações do governo, com raízes nos movimentos sindicais, somente porque não se conformam que uma nova configuração política no país abriu a possibilidade de viabilizar teses antes inviáveis. Exemplos não faltam. E o Conselho Federal de Jornalismo é um deles. O discurso geral da mídia é o de que ela precisa ter liberdade para falar pelo povo, mas quando este povo se organiza para falar por ele mesmo — e o governo representa mais o povo do que qualquer emissora de TV privada —, os narizes começam a se retorcer. Está aí a luta das estações privadas contra as rádios e TVs comunitárias para ilustrar esta contradição. Para a democracia, tanto melhor que existam muitos canais de TV. E não é mau que alguns deles sejam do poder público. Em se tratando de comunicação, este está muito longe de ser o nosso maior problema. * Jornalista e professor universitário, mestre em Sociologia pelo IUPERJ-UCAM. |