* Rose Nogueira A todos os companheiros Fiz parte do júri do 30º Prêmio Vladimir Herzog. Garanto que a menção honrosa à jornalista Soraya Agegge, pela publicação da matéria “Sem hospícios morrem mais doentes mentais”, publicada em O Globo de 9 de dezembro de 2007, NÃO FAZ PARTE DE CAMPANHA NENHUMA. Ao contrário, defende os doentes – principalmente os pobres, cujas famílias não dispõem de lugares particulares caríssimos onde possam ser tratados. Ao ver tantos desses doentes na rua todos os dias – freqüento o Centro, a Praça da Sé e imediações por ser do Condepe – muitas vezes penso que seria bom que tivessem teto, cama, lençóis e cobertores limpos, comida, higiene, tratamento médico contínuo, remédios, roupa, calçados… Já falei com vários especialistas. Alguns me disseram que esses são “moradores de rua” e não doentes. Mas converso com eles (quando consigo), vejo claramente seu transtorno e seu sofrimento. Essa experiência está à disposição de todos. Mas é preciso ir até lá, sair dos gabinetes e dos consultórios de psicanálise. Outros especialistas, na minha opinião mais sinceros, dizem que, infelizmente, falta muita coisa ainda a ser conquistada. Ou seja, a luta antimanicomial é uma luta como todas as outras que estamos acostumados a travar. Então vamos atrás dessas conquistas. Não me parece tão prudente assim teorizar e não acompanhar a prática. Não sei como se dá o tratamento psiquiátrico dessas pessoas que vejo nas ruas. Conheço algumas pelo nome. Vi uma delas três anos atrás, num surto, tentar esfaquear qualquer pessoa que chegasse perto. Foi dominada com muita dificuldade por três guardas municipais. Eles não sabiam para onde levá-la (era uma mulher, estava muito suja e visivelmente fora de si). Depois soubemos que ela havia roubado uma faca de uma lanchonete pouco antes do acesso de fúria. Se ela estivesse recebendo tratamento e remédios isso talvez não tivessse acontecido. Gostaria de saber qual é o tratamento dado a essas pessoas, seja pelo SUS ou pelos serviços sociais. Parece-me que não basta fechar os manicômios. Essas pessoas são rejeitadas pelas famílias – quando sabem quem são – pelas mais variadas razões. Precisam de acompanhamento médico. Mas quem é que faz isso? Pelo que vejo na rua, esses doentes são mesmo tratados como “moradores de rua” e entram na fila do “sopão” que chega naquela kombi branca, com uma latinha suja nas mãos. Sei que são abordados muitas vezes por equipes de assistentes sociais, e que há psicólogos entre eles. Vou procurá-los para saber mais. Também sou repórter e talvez possa escrever uma matéria sobre isso, melhor do que este relato de quem sabe pouco mas tem boa vontade. E jamais estive comprometida com qualquer interesse espúrio com relação a essa questão. Por conhecer a vida de tanta gente assim, convivendo com eles há quatro anos quase diariamente, votei na matéria da companheira Soraya Agegge para menção honrosa. Aliás, não houve escândalo algum na entrega dos prêmios. Apenas um panfleto do Conselho de Psicologia criticando a escolha foi distribuído e respeitado. Para quem não sabe, Soraya foi a repórter que primeiro se interessou e depois publicou a matéria mais completa sobre o encontro do laudo do IML do nosso companheiro Virgílio Gomes da Silva. Estou triste com tudo isso. E se há alguma coincidência nessa história, o laudo do Virgílio foi encontrado pelo grande vencedor do prêmio Vladimir Herzog deste ano, o companheiro Mario Magalhães, da Folha de São Paulo, que publicou uma matéria impecável (um caderno, na verdade) sobre o trabalho escravo nos canaviais. Soraya ficou com uma das menções honrosas pela coragem de abordar um tema que é tabu na saúde, na imprensa e na esquerda. Tomo a liberdade de enviar cópia deste e-mail para a própria Soraya, para os dois companheiros que formaram o júri na categoria “reportagens de jornal” comigo e para o Conselho Regional de Medicina. Pra finalizar: sei que a saúde mental pode ser explorada de diversas maneiras, principalmente pelo capital, pela privatização da saúde, por toda essa situação de desrespeito aos direitos básicos das pessoas. Uma pessoa da minha família sofre de distúrbios mentais. Vou pesquisar melhor e contar pra todos como é que se dá e quanto custa o cuidado de um doente mental da classe média, numa família que faz o que pode e o que não pode para respeitá-lo e mantê-lo o maior tempo possível em casa – além de amá-lo muito. Seguindo exatamente os passos da luta anti-manicomial. PS – Vamos também fazer uma matéria sobre os preços da psicanálise. Uma amiga minha, com desconto, paga 220 reais por uma hora semanal. Tem sido ótimo pra ela. E ela tem convênio médico, que custa perto de mil reais por mês. Serão esses os profissionais da saúde mental que falam em privatização? Como se dá a psicanálise pública, com os médicos e psicólogos recebendo a tabela do SUS? Isso existe? É extensivo a toda a população necessitada? Experimentem defender uma coisa dessas… * Jornalista, presidente do Condep-SP (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) |