Decisão do TRF fortalece o exercício profissional do Jornalismo

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A vitória da FENAJ e Sindicato dos Jornalistas de São Paulo – que se traduz em vitória da categoria e da sociedade – no julgamento ocorrido dia 26 de outubro, no TRF-3º Região, foi maiúscula, por unanimidade. Ela, no entanto, não encerra a polêmica. E traz dúvidas e novos desafios. Para abordá-los, nossa coletiva virtual desta semana convidou o Advogado João Roberto Egydio Piza Fontes, que defendeu o recurso das entidades dos Jornalistas. Seu comportamento no processo foi exemplar, recebendo de muitos dos participantes desta entrevista rasgados elogios. Todos merecidos, diga-se de passagem.

Não foi por acaso que a FENAJ e SJSP o contrataram. Sua competência está atestada em 26 anos de exercício militante da advocacia. Formado em 1979 pela Faculdade de Direito da USP – e também com formação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas -, João Piza já exerceu diversas funções na OAB/SP, entre as quais a de presidente, dirigiu a Caixa de Assistência dos Advogados e já prestou serviços para diversas entidades sindicais. Ele defende os jornalistas também no caso das demissões na Gazeta Mercantil. Com esta bagagem profissional, Piza Fontes responde aos questionamentos que nos foram encaminhados.

E-FENAJ – Bem vamos logo ao “centro do furacão”. Talvez algumas perguntas se tornem repetitivas, mas como nossos internautas/entrevistadores estão ávidos por esclarecimentos, optamos por não agrupá-las para não correr o risco de errar. O Rodrigo Galdino, estudante de Jornalismo em Juiz de Fora, pergunta qual atitude que os órgãos oficiais deverão tomar em relação aos diversos registros de precários ocorridos entre 2001 até o momento? Caso eles sejam suspensos não caberia indenização a estas pessoas que, na leitura dele, foram “vítimas da decisão da juíza federal Carla Abrantkoski Rister”? O Rodrigo também faz referências a inúmeros ataques que a profissão de Jornalista vem sofrendo nos últimos anos, contribuindo para sua desvalorização. Ele quer saber a que o senhor atribui estes fatos? Com o retorno da obrigatoriedade do diploma de jornalismo, quais conseqüências isto poderá trazer para a comunicação de massa? Estas conseqüências poderão afetar diretamente a população brasileira a curto prazo?

João Piza – Inicialmente convém salientarmos que todas as questões levantadas são da maior importância e demandariam laudas e laudas para serem respondidas, talvez satisfatoriamente. Porém, assim como no jornalismo, o poder de síntese é tido como qualidade na advocacia. Pelo que tentaremos exercitá-lo na medida do possível.
Ora, por evidente, como alertado desde aquela época, inclusive pela Desembargadora Alda Basto, a ação civil pública perpetrada pelo Ministério Público Federal e a “polêmica” sentença de primeiro grau, acabaram por criar verdadeiros “titulares de ilusão”. Estes nada mais são do que aqueles ditos precários, que se aproveitando de uma decisão provis&oac_te;ria tentaram o registro no Ministério do Trabalho. A eles, os órgãos tidos como oficiais devem imediatamente cancelar os registros, sob pena de compactuar-se com o exercício ilegal de profissão que, todos sabemos, é tipo penal.

Já, quanto à eventual direito indenizatório a que fariam jus os chamados precários em virtude das decisões judiciais de primeiro grau, que os induziram a erro, convêm tecermos algumas considerações. No direito brasileiro, é rara e incipiente a discussão sobre a condenação do Estado a indenizar a parte prejudicada por anormal ou normal funcionamento da Justiça. Tal discussão é absolutamente comum em grande parte dos países europeus em que a Espanha pontifica. No entanto, entende este profissional que não existe vedação à propositura da ação, sendo certo que no pólo passivo estaria o Estado, por evidente com direito de regresso contra os agentes públicos causadores do dano reparável. Mesmo que no caso, porém, os eventuais prejudicados tivessem plena consciência do caráter provisório das decisões exaradas, não me parece razoável a vedação do recurso ao judiciário, à luz do inciso XXXV, do artigo 5º da Constituição Federal.

Com relação aos ataques sofridos pela profissão de jornalismo nos últimos anos, entende esse profissional que os mesmos devem ser entendidos no âmbito mais geral da tentativa de precarização das relações de trabalho, cujo ataque à obrigatoriedade do diploma, terceirizações e multiplicação dos eternamente “frilas” é apenas o sintoma. O que é preocupante é a utilização “vesga” do judiciário como instrumento de mudança na legislação em vigor ao invés do correto, qual seja, a elaboração legislativa. Pior ainda, quando o instituto tão caro da ação civil pública é desvirtuado para alcançar objetivos estranhos à sua própria natureza.

Finalizando, conforme sustentado na tribuna e em todas as peças utilizadas pelos organismos sindicais em juízo, a exigência do diploma tem a ver com a qualidade da informação, cujo intermediário entre a mesma e o receptor é o jornalista. E, portanto, deve estar adequadamente preparado para a função principalmente porque estamos a experimentar a assim chamada era da informação. Resumindo-se, o correto ou incorreto tratamento dado à informação acarretará a boa ou distorcida percepção da realidade pelos receptores, qual seja, a população brasileira como um todo. Nesse sentido, uma pequena observação: quanto maior a independência do jornalista nos diversos tipos de redações, maior a qualidade da informação e melhor apreensão da mesma pela sociedade como um todo.

E-FENAJ – Ludmilla Duarte, da Bahia, é “100%” favorável ao diploma. Ela comenta, porém, que a declaração de princípios da relatoria para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA considera que a exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalismo é uma violação à liberdade de expressão. Ela quer saber: o que o senhor responde a eles?

João Piza – Como muito bem fixado nos votos dos Ilustres Desembargadores do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3º Região, não há que se confundir liberdade de i_formação e expressão com liberdade de trabalho, atendidos os requisitos profissionais específicos. Uma coisa nada tem a ver com a outra, tanto que são diversas as profissões cuja legislação exige formação específica. Aliás, esta confusão a Constituição não faz. Muito ao contrário, haja vista a coexistência sem antinomias dos dispositivos constitucionais que tratam da liberdade de informação, expressão e do trabalho. No mais, é confundir-se lençol com fantasma ou como me disse um amigo professor e jornalista diplomado, tomar Jesus por Genésio.

E-FENAJ – Sheila Forato, que tem uma empresa de assessoria de imprensa no MS, conta que convive com uma situação onde os jornais de lá não respeitam a legislação e ética profissional, contratando pessoas irregulares. Relato semelhante vem de Jane Cardozo da Silveira, Coordenadora do Curso de Jornalismo da UNIVALI (Itajaí/SC). Ela diz que lá tem TV com um profissional e oito estagiários (sem termo de estágio acordado com a Faculdade) ocupando o lugar de jornalistas por salários irrisórios. A Sheila pergunta como agir para combater essas irregularidades? E, de quebra, ela pede que o senhor comente sua sensação ao ganhar esta causa. Já a Jane critica as DRTs, que segundo ela fazem “vistas grossas para as irregularidades que debilitam a imagem dos jornalistas e afrontam a opinião pública”, e pergunta: a partir da vitória no dia 26 podemos vislumbrar um mercado de trabalho mais qualificado para os jornalistas? Além de denúncia ao Sindicato e à DRT, o que mais se pode fazer?

João Piza – A legislação infraconstitucional, o Decreto-Lei nº 972/69, bem como outras que tratam da matéria, delegaram aos sindicatos, dentre outras funções, a de representar as autoridades competentes quando constatar o exercício irregular da profissão. No mais, todo aquele que direta ou indiretamente contribuir para o perfazimento do ilícito incorrerá nas mesmas penas, inclusive eventuais agentes públicos. Ora, se tudo não bastar, sempre restará o recurso ao judiciário para ver cumprida a lei.

Quanto à situação do mercado de trabalho após a consagração da exigibilidade do diploma, por evidente, a qualidade do profissional jornalista tende a aumentar. É essa a experiência da Ordem dos Advogados com a obrigatoriedade do exame de ordem e de tantas outras profissões regulamentadas por legislações específicas. Alerto, porém, que só o diploma não basta. Como se constatou na advocacia é também a adequada fiscalização das faculdades pelo Ministério da Educação e Cultura que acarreta, via de conseqüência, o soerguimento profissional.

Neste estágio do processo, confesso que ainda não pude experimentar na sua totalidade os diversos sentimentos que me assomaram desde o início do mesmo, passando por interregno de imensa frustração, e culminando com o resultado favorável esperado, porém não na proporção em que ocorreu, haja vista o realinhamento do Ilustre Magistrado Relator Manoel Álvares, que até então dava a impressão de afastar-se da melhor tese. Felizmente exarou seu voto condutor com imensa riqueza de detalhes, praticamente esgotando a questão secundado brilhantemente com as sábias manifestações das Desembargadoras Alda Basto e Salette Nascimento. Ora, a tese esposada pela Fenaj e o Sindicato dos Jornalista de São Paulo, sempre me pareceu do ponto de vista es_ritamente jurídico absolutamente inatacável. A contrário senso a tese esposada pelo Ministério Público, assemelhava-se a uma construção sem alicerce, quer em relação à leitura equivocada do princípio da liberdade de manifestação do pensamento, quer na construção de uma falsa antinomínia em relação ao princípio da liberdade profissional observadas as especificações detalhas em legislação infraconstitucional. Em resumo, se do ponto de vista jurídico o resultado de certa forma não surpreendeu, do ponto de vista pessoal é imensa a satisfação de constatar que nem sempre prevalece o interesse do hipersuficiente, no caso o sindicato patronal. Finalizando, sempre é bom recordar que nosso embate é antes de tudo um embate entre os interesses dos proprietários dos grandes conglomerados e a maioria dos jornalistas.

E-FENAJ – A equipe do site “O Jornalista” questiona: existe algum direito adquirido pelos extintos precários? Quem insistir em continuar exercendo a profissão ilegalmente está sujeito a que punições? Cabe denúncia ao Ministério Público e aos Tribunais de Contas, no caso do exercício ilegal da profissão nas esferas dos poderes executivo, legislativo ou judiciário, em órgãos públicos, da administração direta, indireta e empresas estatais?

João Piza – Entendo que não existe direito adquirido em relação a uma decisão naturalmente provisória, mesmo porque a contrario senso toda decisão de primeiro grau, independentemente de sua natureza, geraria direito adquirido à parte, o que por evidente não é o caso. 
Como dito anteriormente, o exercício irregular da profissão é crime e, portanto, as punições são aquelas estabelecidas ao respectivo tipo penal. No mais, todo aquele que concorrer direta ou indiretamente com o ilícito, incorrerá nas sanções penais previstas.

E-FENAJ – Silvio da Costa Pereira, assessor de imprensa do Sindicato dos Jornalistas/SC, que está ligado na polêmica jurídica que se trava no momento, questiona: é possível haver recurso em âmbito regional quanto à decisão do TRF-3º Região ou só à terceira instância? Qual a instância final em caso de recurso, STF ou STJ? Ele também tem dúvidas quanto ao “direito adquirido dos precários”. Lembra que a FENAJ divulgou que não, mas que o site “Comunique-se” veiculou informação diferente. Afinal, os precários têm algum direito a pleitear na justiça? Ele também pondera sobre o cancelamento dos registros de precários. Um despacho do MTb é suficiente para cancelá-los ou é necessário ingressar na justiça? Quanto tempo é necessário para a publicação da sentença do dia 26? Até a publicação dessa sentença o MTb pode continuar expedindo registros precários ou isso seria ilegal, uma vez que o assunto já foi julgado?

João Piza – Silvio, a maioria das questões que você formula, espero já terem sido suficientemente esclarecidas nas respostas anteriores. Já quanto a eventuais recursos cabíveis, prefiro deixar esta preocupação para aqueles que sucumbiram nesta fase do processo. Em resumo, Silvio deixe eles se preocuparem um pouco. Não seremos nós a suavizar o caminho dos nossos ex-adversos. O ato de cancelamento do registro dos precários é de competência exclusiva do Ministério_do Trabalho. Silvio, o resultado do julgamento é de ambas as partes e já se encontra disponível no site do Tribunal Regional Federal da 3º Região. Entendo que uma vez o Ministério do Trabalho, através da Advocacia Geral da União participou do julgamento e conhece o seu resultado, não há sentido de aguardar mais nada para cumprir a determinação judicial.

E-FENAJ – Para finalizar, eis uma pergunta de alguém que não se identificou. Quais foram os argumentos que o senhor usou para defender a constitucionalidade do diploma de jornalista?

João Piza – A pergunta formulada, apesar de genérica, não pode deixar de ser enfrentada, seguindo como resposta uma síntese do roteiro do memorial enviado aos Ilustres Julgadores quando da sustentação oral. O exercício da profissão de jornalista é disciplinado pelo Decreto-lei n.º 972/69 e por Decretos regulamentadores. O artigo 4º, inciso V, do Decreto disciplina que o jornalista deverá ter prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social mediante a apresentação de diploma de curso superior. O Decreto n.º 83.284, de 13 de março de 1979, deu nova regulamentação ao Decreto-Lei n.º 972/69, disciplinando também que o jornalista deverá ser diplomado em curso superior de jornalismo ou de comunicação social para o exercício da profissão. No âmbito constitucional, a profissão dos jornalistas é protegida em nossa Carta Magna, mais especificamente em seu artigo 220, parágrafo primeiro. O dispositivo constitucional retro mencionado, não deixa margem a dúvida de que nenhuma lei poderá conter dispositivos que possam causar embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, desde que observadas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, conforme disciplina o inciso XIII*, do artigo 5º da Constituição Federal de 1.988. Em suma, conclui-se que: (i) a Constituição garante a liberdade de manifestação do pensamento; (ii) a Constituição garante a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença; (iii) a Constituição veda a censura e embaraços, estabelecidos em lei, à plena liberdade de informação jornalística; (iv) a Constituição garante a liberdade de acessar à informação e o direito à informação; (v) a Constituição garante a liberdade de trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei. Portanto, não há que se confundir as liberdades de expressão e informação, com o exercício profissional que visa a produção do jornalismo. Este é mais do que simplesmente a prestação de informação isolada ou a emissão de uma opinião pessoal. O jornalismo, por todos os veículos de comunicação, influencia tomadas de decisões pelos seus receptores e, uma vez veiculada de forma equivocada por qualquer cidadão, sem aptidão técnica e até mesmo ética, pode gerar desordens sociais, contrariando inclusive a sua própria função social.

Isso, em apertadíssima síntese.

Por fim, gostaria de agradecer à direção da Fenaj e concluir dizendo que me sinto reprovado no item capacidade de síntese q_e defendi na primeira resposta. Pelo que peço escusas.

Para qualquer esclarecimento, segue o e-mail 
piza-adv@uol.com.br.

E-FENAJ – Ao contrário Dr. João Piza, em se tratando das complexidades que envolvem questões jurídicas, suas respostas tiveram a dimensão exata da necessidade de esclarecimentos aos participantes desta coletiva. Portanto, o senhor está, novamente, aprovado. Muito obrigado por sua participação. O próximo entrevistado de nossa coletiva virtual é o professor Elias Machado, presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). Ele abordará o movimento das entidades do campo do Jornalismo pela valorização da profissão, desde a questão do diploma à luta pela manutenção do jornalismo como área de conhecimento, a reforma universitária e seus desdobramentos em nossa área, bem como os preparativos para o próximo Congresso da entidade, que acontece em Florianópolis de 27 a 29 de novembro. Para participar, encaminhe perguntas para boletim@fenaj.org.br até as 18 horas do dia 15 de novembro, especificando, na linha de assunto, “Entrevistas da FENAJ”.

*Art. 5º, inciso XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.