No dia 19 de maio a FENAJ encaminhou à Federação dos Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc) documento repudiando o conteúdo do Relatório Anual da Organização dos Estados Americanos (OEA) sobre a Liberdade de Imprensa na América Latina. Nesta terça-feira (26/5), a entidade brasileira sugeriu que a OEA patrocine um amplo debate sobre este e outros temas, com a participação de todos os segmentos interessados.
Para a FENAJ, o item 51 do relatório da OEA – na parte relativa ao Brasil – “é uma afronta à memória da luta dos jornalistas brasileiros e uma defesa, sem direito ao contraditório, do fim da formação específica em jornalismo – conquista do movimento sindical dos jornalistas e da sociedade brasileira de mais de 40 anos”. Em seu comunicado à Fepalc, a entidade ressaltou, também, “que o conceito de liberdade de imprensa, que sustenta todo o relatório e ações da OEA neste campo, é profundamente vinculado com os princípios liberais, autoritários e excludentes dos donos da mídia”.
A Fepalc, além de se solidarizar com os jornalistas brasileiros, encaminhou consulta às demais entidades sindicais de jornalistas da América Latina e Caribe acerca de suas considerações sobre o relatório. A entidade fará uma representação à OEA exigindo que as entidades sindicais dos jornalistas sejam ouvidas para a realização de relatórios sobre a liberdade de imprensa.
Nesta terça-feira, a FENAJ encaminhou seu posicionamento à Relatora Especial da Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, Catalina Botero Marino, com cópia ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. “Não podemos deixar de apresentar nossa decepção e protesto e sugerir que a OEA patrocine um amplo e democrático debate, envolvendo todos os agentes sociais, sobre direitos humanos, concentração da mídia, liberdade de expressão e de imprensa na América Latina e no Caribe. E desde já nos apresentamos como interessados nesta discussão e nos colocamos à disposição para colaborar no que for necessário”, diz o documento.
Veja, abaixo, a íntegra da manifestação da Federação.
Brasília, 26 de maio de 2009.
Senhora Catalina Botero Marino
Relatora Especial da Liberdade de Expressão
Comissão Interamericana de Direitos Humanos
Com cópia para Ministra Gláucia Silveira Gauche
Chefe do Departamento de Direitos Humanos do
Ministério das Relações Exteriores
A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) tem uma longa história de luta em defesa dos direitos humanos e das liberdades democráticas no Brasil, em especial, do direito à liberdade de expressão e de imprensa. Em seus mais de 60 anos de existência, a FENAJ consolidou-se como entidade nacional representativa dos jornalistas brasileiros, defensora dos direitos dos trabalhadores e, ao mesmo, protagonista dos debates sobre o jornalismo, o fazer jornalístico, a ética profissional e o direito da sociedade à informação.
Por essa razão, não podemos deixar de lamentar, profundamente, que o Relatório Anual do Departamento do Relator Especial para Liberdade de Expressão, apresentado ao Comitê de Assuntos Jurídicos e Políticos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 7 de maio último, tenha sugerido que a necessidade do jornalista ser um profissional diplomado impeça a plena liberdade de expressão na mídia e o direito da sociedade à informação.
É absurda a confusão que se pretende fazer entre cerceamento à liberdade de expressão e de opinião – princípio consagrado na Declaração dos Direitos Humanos e na Constituição brasileira – com o direito dos jornalistas terem uma regulamentação profissional que exija o mínimo de qualificação. A lei brasileira assegura o mais amplo direito à opinião como também determina, sem qualquer contradição, que o acesso à atividade profissional jornalística seja através de curso superior, oferecido por instituição de ensino reconhecida pelo Ministério da Educação.
Importante esclarecer que jornalismo profissional não é opinião e que as técnicas jornalísticas buscam exatamente o equilíbrio de opiniões e de versões no relato dos fatos e nos debates públicos. Igualmente, é importante lembrar que a difusão de informações por meio do Jornalismo não impede a ampla difusão de opiniões, no Brasil e no mundo. Em nosso país, qualquer cidadão pode, desde que autorizado pelos proprietários dos meios, expor seu conhecimento ou sua simples opinião sobre determinado assunto. Prova disso são os artigos publicados diariamente na mídia impressa, assinados por médicos, advogados, engenheiros, sociólogos, historiadores, políticos. Aliás, no momento atual (de explosão das opiniões via internet) é justamente o Jornalismo – com suas técnicas, teoria e ética específicas – que vai assegurar a responsabilidade e credibilidade na apuração, processamento e difusão da informação.
Considerar que a regulamentação da profissão de Jornalista, com a exigência da formação de nível superior, como cerceadora da liberdade de expressão é defender posições históricas patronais, articuladas pela Sociedade Interamericana de Prensa (SIP), que tem o claro propósito de combater a livre organização dos trabalhadores e as regulamentações profissionais dos jornalistas na América Latina e no Caribe. O item 51 do relatório – na parte relativa ao Brasil – é uma afronta à memória da luta dos jornalistas brasileiros e uma defesa, sem direito ao contraditório, do fim da formação específica em Jornalismo – conquista do movimento sindical dos jornalistas e da sociedade brasileira, em vigor há mais de 40 anos.
Defender o contrário é favorecer o poder desmedido dos proprietários das empresas de comunicação, os maiores beneficiários da não-exigência do diploma, os quais, a partir dela, seriam transformados em donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e, por consequência, das consciências de todos os cidadãos.
O resultado previsível desta medida será uma sociedade ainda mais distante das condições ideais de acesso à informação de qualidade, ética e pluralista, imagem reforçada de um país condenado pelo monopólio dos meios de comunicação, cuja concentração é vedada pela Constituição Federal, este sim, um princípio constantemente desrespeitado e ameaçador da liberdade de expressão, e sobre o qual, infelizmente, não há nenhuma manifestação condenatória da parte da OEA.
O Brasil, assim como grande parte dos países ocidentais, tem a tradição jurídica de regulamentar o exercício da maioria das profissões, especialmente as de nível superior. É função do Estado determinar parâmetros e requisitos mínimos no processo de formação do futuro profissional, estabelecendo padrões de qualidade na prestação de serviços à sociedade. Dessa forma, a regulamentação profissional é meio legítimo de defesa corporativa, mas sobretudo certificação social de qualidade e segurança ao cidadão. Jornalistas têm, sim, uma profissão, específica e singular, cada vez mais especializada e complexa. Por isso, o exercício do Jornalismo, assim como as outras profissões com as quais dialoga, precisa ser regrado por uma regulamentação que dê conta de abarcar as suas funções exclusivas, a partir do entendimento de quais são, afinal, os seus fazeres e suas responsabilidades.
Além desta questão, podemos citar também o tratamento desinformado e preconceituoso de diversos casos de violência no Brasil envolvendo a imprensa e a análise incompleta e interessada do julgamento da Lei de Imprensa no STF (Supremo Tribunal Federal). Ressaltamos, ainda, nossa divergência em relação ao conceito de liberdade de imprensa, que sustenta todo o relatório e ações da OEA neste campo, com uma abordagem exclusivamente liberal, restritiva e que beneficia, na sua plenitude, apenas os empresários que controlam os veículos de comunicação.
Em função disso, não podemos deixar de apresentar nossa decepção e protesto e sugerir que a OEA patrocine um amplo e democrático debate, envolvendo todos os agentes sociais, sobre direitos humanos, concentração da mídia, liberdade de expressão e de imprensa na América Latina e no Caribe. E desde já nos apresentamos como interessados nesta discussão e nos colocamos à disposição para colaborar no que for necessário.
Cordialmente,
Sérgio Murillo de Andrade
Presidente da FENAJ – Brasil